Para mais de um terço dos brasileiros, o desemprego foi a principal motivação da escolha pelo trabalho por conta própria (32,1%), seguido pela vontade de ter mais independência (22,9%), flexibilidade (13,6%) e uma fonte de renda extra (12,3%).
Numa clara demonstração de desigualdade de renda e gênero, o número de mulheres que buscam complementar renda com o trabalho autônomo é quase três vezes o de homens (17,8% contra apenas 6,8%), aponta a segunda Sondagem do Mercado de Trabalho, lançada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) em dezembro.
A pesquisa — realizada com duas mil pessoas com mais de 14 anos em todo o território nacional — mostra ainda que para quase 40% daqueles que têm renda inferior a dois salários mínimos o caminho para o trabalho autônomo é de fato uma falta de opção diante do desemprego.
Quem tem renda superior fez do trabalho por conta própria uma escolha para mudança de vida: mais de um terço declarou buscar independência. O desemprego foi a resposta de apenas 13,4% do grupo.
Aperto econômico
Segundo Rodolpho Tobler, economista pesquisador do Ibre, períodos de aperto econômico, como foi na pandemia, prejudicaram o mercado de trabalho e forçaram um aumento de atividades por conta própria:
— As pessoas sem emprego migraram para o trabalho por conta própria, enquanto as pessoas de renda mais alta buscaram essa possibilidade por outros motivos.
Já Fernando de Holanda Barbosa, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do FGV IBRE, acrescentou que o trabalho por conta própria funciona como um amortecedor em momentos de crise:
— Há uma tendência de “pejotização” do mercado de trabalho. Na Uber, você aluga um carro e logo já está trabalhando. A gente vai observar as pessoas querendo mais tempo, ao mesmo tempo em que buscam uma certa proteção social.
A sondagem feita pelo Ibre, em novembro, mostra que no topo da lista de preocupações dos trabalhadores para os próximos três anos está ficar doente ou incapacitado (58,9%), o que é um problema para os autônomos, que não têm proteção social. No rol estão ainda o medo de não conseguir cobrir todas as despesas (47,4%) e o de perder o emprego ou principal fonte de renda (39,2%).
Mulheres mais preocupadas
O levantamento aponta ainda que as mulheres estão mais preocupadas com outros familiares ou dependentes financeiros. Enquanto o tema apareceu em 32,3% das respostas femininas, o percentual foi de apenas 23% para os homens.
Viviane Seda, coordenadora das Sondagens do FGV IBRE, pontuou que ainda existem diferenças regionais em relação às ocupações anteriores ao emprego por conta própria:
— Havia uma predominância maior de empregos com carteira assinada na Região Sudeste e menor na Região Nordeste, onde predominavam trabalhadores sem vínculo empregatício — concluiu.
Cerca de um terço das pessoas que trabalham hoje por conta própria sempre foram autônomas. A grande maioria, no entanto, costumava ter outras modalidades de emprego, 66,5%.
Entre a parcela de renda mais alta, 46,7% já estão acostumados ao trabalho por conta própria, contra 53,3% que aderiram recentemente ao formato. Já no caso dos trabalhadores de renda menor, 31,4% sempre foram autônomos, enquanto 68,6% nunca haviam trabalhado dessa forma.
Desafio é flexibilidade com proteção social
A pesquisa anterior da Sondagem, publicada em novembro, mostrou que sete em cada dez trabalhadores por conta própria gostariam de ter vínculo formal. Além disso, quase um terço dos profissionais empregados estava insatisfeito, principalmente, pela remuneração baixa.
Segundo os economistas do grupo de pesquisa, os novos dados não contradizem os anteriores. O coordenador do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE, Fernando Veloso avalia que a sondagem divulgada agora pode contribuir com a discussão sobre proteção social, até para trabalhadores de plataforma.
— As pessoas querem autonomia e independência, mas também algum tipo de proteção. Embora pareça contraditório, é um tema: como oferecer proteção social para quem não tem contrato de trabalho formal, de forma que se mantenha a flexibilidade que essas pessoas querem — explica.
Veloso pontua que o grupo de trabalhadores por conta própria é heterogêneo, e cresceu bastante nos últimos levantamentos, o que não pode ser ignorado em políticas públicas.
— É um grupo que parece que vai continuar crescendo. O efeito das taxas de juros mais altas vai se fazer sentir, e isso pode afetar o mercado de trabalho, mas esse grupo tem se mostrado muito resiliente.
*Com informações do site Extra