Tempos pós-COVID-19, tempos de um novo modelo econômico (Parte 2)

Voltando aos assuntos abordados nos documentos mencionados, dentre as nove providências propostas pelo embaixador Barbosa, para serem cumpridas pelo Brasil, três delas chamam a atenção: (i) o fortalecimento do Conselho da Amazônia, presidido pelo Vice Presidente Hamilton Mourão, (ii) o desenvolvimento de ações bilaterais em foruns internacionais e institutos financeiros e (iii) o desenvolvimento sustentável da região utilizando a bioeconomia.

Depreende-se que o papel do Conselho da Amazônia está se fortalecendo. É perceptível que os movimentos estão conduzindo o Conselho a se tornar um interlocutor preferencial junto aos segmentos relevantes da sociedade e da comunidade internacional, no que se refere a assuntos que envolvam a Amazônia. Organismos como os três principais bancos que atuam no Brasil, por exemplo, também procuraram o Vice-Presidente Mourão, Coordenador do Conselho, com esse propósito.

Propõe, ainda, o embaixador Barbosa: “ações bilaterais seriam desenvolvidas em fóruns internacionais e institutos financeiros”. Essa é uma proposta que deve ser analisada com muito cuidado. Quais seriam esse fóruns internacionais? Que ações bilaterais seriam desenvolvidas? Que impacto essas ações teriam sobre a Amazônia? Em geral, instituições financeiras tem interesse em resultados financeiros: como esses resultados beneficiariam a região? Como as instituições da região participariam dessas ações?

A julgar pelo histórico do embaixador Barbosa, suas propostas devem ter as melhores das boas intenções. Mas, para quem vive na Amazônia, propostas que envolvam a região devem, sempre, ser avaliadas e estudadas com muito cuidado.

Analisando o documento dos ex-ministros e ex-Presidentes do Banco Central, dois itens chamam a atenção: a proposta de zerar o desmatamento na Amazônia e no Cerrado, e a sugestão de impulsionar a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias.

A proposta de desmatamento zero na Amazônia e no Cerrado, como resposta às ações de devastação da floresta, exige cuidados quanto ao impacto no desenvolvimento da região.

Penso que desmatamento zero é uma proposta radical, cujo significado pode embutir uma série de restrições desnecessárias. Além disso, existem muitas Amazônias.

Por outro lado, os signatários sugerem o impulsionamento da pesquisa e do desenvolvimento de novas tecnologias, proposta que fortalece a ideia da criação do ambiente do bionegócio, sustentado pela ciência, pesquisa e inovação tecnológica (C&T&I).

Essa proposta se associa à do embaixador Barbosa e fortalece a possibilidade de uma aliança voltada aos interesses da região.

O que seria importante, mas pouco se discute e tampouco se implementa de maneira contínua e consistente, é o estabelecimento de políticas públicas, sustentadas em ciência e pesquisa, que possibilitem o emprego dos recursos que a floresta nos oferece, utilizando-a economicamente a nosso favor, de forma sustentável.

A floresta amazônica é valiosa demais para ser devastada e, ao meu ver, há duas formas de preserva-la.

Uma, seguindo na linha da proposta do desmatamento zero, seria impedindo a realização de atividades econômicas intensivas na floresta, excetuando-se as de subsistência. Nesse caso, a floresta sofreria pouquíssimos arranhões, é verdade. Mas restringiria imensamente o desenvolvimento da região.

A outra, mais inteligente, sensata e justa, seria aprendendo a explorá-la e a utilizar seus recursos de maneira adequada: pela via do conhecimento, por meio da ciência, da pesquisa e da inovação tecnológica (C&T&I), pelo fortalecimento do ambiente natural para que isso ocorra.

Esta última, creio, é a forma mais adequada para o aproveitamento dessa riqueza imensa, que está disponível para ser bem utilizada. Seria uma contrapartida justa para a preservação da floresta.

Se o impacto da destruição da floresta amazônica é de tal ordem que está preocupando e arregimentando tantas instituições e personalidades na causa pela sua preservação, investimentos e ações que possibilitem utilizá-la de maneira sustentável devem ser realizadas na proporção do seu gigantismo.

Algumas sugestões de atitudes proativas, para citar os termos empregados pelo embaixador Barbosa, são propostas a seguir:

  • Tornar a Amazônia um centro de referência mundial para o desenvolvimento da biodiversidade.
  • Fortalecer as instituições científicas da região amazônica, a partir da criação de fundos de investimento a serem utilizados em pesquisas voltadas para o aprofundamento do conhecimento da sua biodiversidade.
  • Desenvolver um ambiente empresarial voltado para o bionegócio (inovação, empreendedorismo, empresas de alta tecnologia, logística adequada para exportação de produtos, taxas adequadas).
  • Transformar a região em um polo exportador de produtos que utilizem, principalmente, insumos da floresta, embutindo inovação tecnológica.
  • Implantar parques tecnológicos e polos industriais em cidades da região.
  • Tornar as capitais dos estados que compõem a Amazônia, cidades-referência para a preservação ambiental, sediando fóruns e instituições nacionais e internacionais que tenham essa finalidade.
  • Apoiar as comunidades da região para desenvolver o conhecimento tradicional.
  • Preservar a cultura dos povos que vivem na região amazônica.

Iniciativas como essas já foram tentadas algumas vezes. Faltou vontade política para implementá-las, ou para dar continuidade a algumas delas.

O momento, no entanto, é adequado para a retomada de ações que conduzam a região a um modelo mais estável de desenvolvimento.

Afinal, as manifestações sobre a Amazônia têm sido unânimes sobre a necessidade do fortalecimento da bioeconomia na região. Devemos aproveitar esse movimento e tirar proveito dessa oportunidade.

Não vejo, reitero, condições políticas para que os estados da Amazônia reivindiquem essas condições, isoladamente. Daí a importância na busca por aliados.

É bem verdade que a Amazônia é um patrimônio do planeta, mas aqui vivem pessoas que merecem o direito ao desenvolvimento. Com sustentabilidade.

Investimentos em educação, ciência, tecnologia e inovação é o que a região amazônica necessita. A preservação virá naturalmente.

O que está proposto tem um custo. É hora de tirar dinheiro do bolso e investir na Amazônia da forma correta. Respeitando a autonomia dos que aqui vivem. Afora isso, continuaremos ouvindo discursos e propostas repetitivas, redundantes e ineficazes.

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