Em entrevista ao g1, nesse sábado (2), Krepuna afirmou que está muito feliz com a conquista. Agora, ele planeja retornar para a comunidade e repassar os conhecimentos adquiridos na graduação para o seu povo. A cerimônia de colação de grau ocorreu na última quinta-feira (31), no Centro Amazônico de Fronteiras (Caf) da UFRR.
“Eu quero trabalhar na área e ajudar outros Yanomami a estudar na universidade também, porque a dificuldade é muito grande para eles”, contou.
Genivaldo nasceu na região do Papiu, na Terra Yanomami e é morador da comunidade Tihinaki, no território Yanomami em Roraima. A região fica distante a uma hora de Boa Vista, onde as aulas ocorrem, e só é possível acessar através de aeronave.
No Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), ele contou os desafios de ser um Yanomami e estudar em uma universidade pública. Entre as barreiras enfrentadas, além da distância, Krepuna menciona o corte da bolsa permanência para indígenas e pandemia de Covid-19.
“Eu comecei estudar em 2012 e depois de dois anos e meio eu parei um pouco por conta das dificuldades, porque nós Yanomami temos muitas dificuldades de estudar. Depois, apareceu a Covid-19 na comunidade e depois voltei [a estudar]. Não é fácil chegar aqui em Boa Vista”.
No período em que estudou na universidade, o novo graduado relembra que a cada 30 dias saía da Terra Yanomami para Boa Vista para estudar. Em um período, a própria UFRR chegou a fretar avião para trazê-lo às aulas.
“Tinha várias hospedagens que eu ficava, no Silvio Leite, Aparecida, na seda Hutukara [Associação Yanomami] e em algumas casas de apoio também. Trinta dias eu ficava aqui e depois voltava para a comunidade”, conta Krepuna, que em Tihinaki, sustenta os três filhos e a esposa através da roça e da caça.
O processo de construção do trabalho de conclusão de curso durou três anos e foi escrito em Yanomami. O plano é ter uma versão bilíngue, em português, da pesquisa. “Graças a Omama [Deus da criação em Yanomami] eu venci“, celebra.
“Vou começar a alfabetizar os meus curumins, crianças e adultos também que tem vontade de aprender sobre os novos conhecimentos fora da comunidade. Então, eu penso que vou começar a ensinar eles o que eu aprendi aqui na universidade”, finalizou.
Krepuna se formou no Instituto Insikiran, o primeiro Núcleo de Formação Superior exclusivo para Indígenas no Brasil. O Insikiran surgiu em 2001, após reivindicação do movimento indígena roraimense. O núcleo oferta três cursos: Licenciatura Intercultural Indígena, Gestão Territorial Indígena e Gestão em Saúde Coletiva Indígena.
Antes de se formar na UFRR, ele foi um dos professores formado pelo Magistério Yarapiari, Projeto desenvolvido anos atrás pela Comissão Pró-Yanomami (CCPY), a partir de uma demanda do xamã e presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Davi Kopenawa, para que formassem jovens yanomami para defender os direitos e a Terra Indígena Yanomami.
O Magistério Indígena Yarapiari é um curso voltado especificamente para os professores Yanomami, tratando dos saberes tradicionais e da cultura singular, com currículo específico nas escolas e no magistério. Dentre todas as etnias, os Yanomami são o grupo com menor percentual de professores qualificados em Magistério, segundo a Secretaria Estadual de Educação e Desporto.
“Uma grande conquista para o povo Yanomami e para a academia. Por mais espaços na educação pública para os povos indígenas. Temos direito de se formar, de mostrar nossa capacidade e conhecimento tradicional para sociedade brasileira e, especialmente, para os povos originários”, celebrou Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami.
Em agosto de 2022, a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) formou uma turma de 42 professores Yanomami. A cerimônia ocorreu no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), o mais indígena do país.
Terra Yanomami
Com cerca de 10 milhões de hectares distribuídos no Amazonas e em Roraima, onde fica a maior parte, a Terra Yanomami tem 371 comunidades de difícil acesso espalhadas ao longo da densa floresta amazônica.O povo Yanomami é considerado de recente contato com a população não-indígena. Além disso, no território há, ainda, indígenas isolados, sem contato ou influência externa.
Oficialmente demarcada em 25 de maio de 1992, o processo de avaliação e registro da Terra Indígena Yanomami durou quase 15 anos, o que envolveu uma longa batalha, com articulação internacional, até o governo brasileiro, à época presidido por Fernando Collor, homologar o território.
Nos últimos anos, a Terra Yanomami enfrentou uma crise humanitária e sanitária sem precedentes, com casos graves de indígenas com malária e desnutrição severa – problemas agravados pelo avanço de garimpos ilegais nos últimos quatro anos.
A invasão do garimpo predatório, além de impactar no aumento de doenças no território, causa violência, conflitos armados e devasta o meio ambiente – com o aumento do desmatamento, poluição de rios devido ao uso do mercúrio, e prejuízos para a caça e a pesca, impactando nos recursos naturais essenciais à sobrevivência dos indígenas na floresta.
Fonte: G1.