Portas fechadas, negócios abertos: o desafio de empreender na pandemia

Alagoanos que precisaram se reinventar para sobreviver buscaram aportes financeiros, cursos on-line e passaram a atuar com serviço de entrega

Dois mil e vinte não foi um ano fácil para quem sobrevive do empreendedorismo. Em grandes ou pequenos negócios, mudanças precisaram ser feitas após o início da pandemia do novo coronavírus. Em todo o país, os estabelecimentos comerciais ficaram de portas fechadas por vários meses, mas precisaram continuar funcionando para garantir o sustento de quem estava por trás deles. Os empresários se reinventaram e criaram novos mecanismos para fazer o produto ou serviço chegar até os clientes. Não foi fácil para ninguém, mas para alguns foi ainda mais difícil. Houve desemprego, medo, mudança, aporte financeiro e superação. Cada dia um novo aprendizado e uma nova surpresa.

Houve também quem “se encontrou” em um novo negócio. Foi o caso de Quitéria Gouveia de Lima Silva, de 52 anos, que era proprietária de um salão de beleza em Maceió, capital de Alagoas, há 19 anos. Com a pandemia, ela teve que fechar as portas e ver cessar a sua única fonte de renda. Por uma semana, após a determinação do governo do estado para que os estabelecimentos permanecessem fechados, ela diz que se sentiu “anestesiada”, sem saber o que fazer, pois as contas não paravam de chegar e os compromissos com os fornecedores do salão precisavam ser honrados. Foi aí que surgiu a ideia de começar a fazer bolos caseiros. Nascia então a Delícias da Kika.

Quitéria Gouveia atuava como cabeleireira há 19 anos e teve que mudar de ramo na pandemia. FOTO: ARQUIVO PESSOAL

“O salão era a minha única fonte de renda. Infelizmente, quando chegaram a pandemia e o decreto para fechar tudo, fiquei anestesiada. Uma semana depois, voltei à realidade e percebi que as contas não paravam de chegar e nem os compromissos que a empresa tinha que cumprir. Foi aí que eu tive que me reinventar. Tive que pensar em um negócio no qual poderia trabalhar sem ter contato direto com os clientes, como era o caso do salão. Pedi orientação a Deus e Nossa Senhora Aparecida e, naquele momento, me veio a ideia de fazer bolos caseiros”, afirma Quitéria.Sem recursos e sem conhecimento na área, o primeiro passo foi buscar ajuda. O apoio financeiro veio do Crediamigo, um programa de microcrédito do Banco do Nordeste que tem transformado a vida de muitos empreendedores país afora. Quitéria pegou R$ 3 mil e investiu em maquinário e insumos para que pudesse fazer e entregar seus bolos. Também buscou conhecimento na internet e fez cursos on-line, onde pegou dicas e aprimorou a qualidade dos seus produtos.

“Eu estava entrando em um mundo desconhecido. Não conhecia esse mercado de confeitaria. Mas, como todo empreendedor, tive que estar preparada para o novo e foi isso que eu fiz. Com a ajuda do meu filho, criamos uma página no Instagram, e graças a Deus deu muito certo. Claro que para a Delícias da Kika existir, tive ajuda financeira do Banco do Nordeste, por meio do Crediamigo, do qual sou cliente há 15 anos, desde a época do salão de beleza. Tirei um valor de crédito de R$ 3 mil para as compras de materiais, como batedeira e descartáveis, e foi assim que a gente começou”, pontua.

Quitéria agora trabalha na produção de bolos. FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Quitéria destaca a importância do programa de microcrédito para quem quer empreender, em especial neste período de pandemia. “Confesso que esse suporte do recurso foi muito importante na minha vida profissional. Eu não teria condições de abrir um outro negócio sem a ajuda do Crediamigo. Foi tudo muito tranquilo e agora os negócios andam bem, estou com vários pedidos”, afirma a empreendedora, ressaltando que começou com bolos simples, mas que, com os cursos on-line, já está trabalhando com uma cartela bem variada de produtos.O resultado da mudança radical de vida Quitéria vê quando faz as contas ao final do mês. Em pouco tempo, o negócio de bolos já está faturando bem mais que o salão de beleza.

“Ser empreendedor é estar pronto para os desafios. Não podemos deixar de acreditar, nem por um segundo, no potencial do nosso trabalho, mesmo que as negativas ao nosso redor sejam muitas e constantes”, ressalta a empresária, que confessa o desejo de conciliar os dois ramos de atuação, assim que “tudo isso passar”. “Quando a pandemia acabar, vou empreender nas duas coisas”, fala.

Delivery de cerveja

Para o empresário Pedro Montaldo, dono de um bar e fabricante de cerveja artesanal em Maceió, a reinvenção teve que acontecer, literalmente, da noite para o dia. Ele lembra que o negócio vinha numa crescente quando chegou a pandemia e, com ela, o decreto governamental para que os estabelecimentos fechassem as portas. “Nós precisamos nos reinventar e o prazo para isso foi de 24 horas, mas em nenhum momento passou pela nossa cabeça fechar, e sim nos adaptarmos a uma situação totalmente atípica do que a gente vinha planejando”, conta.

Montaldo explica que, com ajuda de um crédito obtido junto ao Banco do Nordeste, conseguiu incorporar um bar e cervejaria no bairro da Jatiúca, em outubro de 2019. Ele conta que o negócio estava dando certo. “Um pouco antes do governo decretar o fechamento, um mês antes, nós tínhamos conseguido a licença para produzir, e fomos pegos de surpresa pelo decreto”, lembra.

Alagoanos se reinventam para sobreviver durante a pandemia do novo coronavírus

Diante do desafio, o empresário conta que pensou rápido, e decidiu: se as pessoas não podem vir até a cerveja, a cerveja vai até elas. E foi assim que, da noite para o dia, o delivery de cerveja artesanal virou o carro chefe do bar de Montaldo.

Com a ideia na mente, o empresário contou, novamente, com a ajuda do Banco do Nordeste. “Já vínhamos pesquisando junto às instituições bancárias opções de crédito para pegar capital de giro, como já tínhamos relação próxima com o BNB, obtivemos a informação do FNE [Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste] Emergencial e fomos muito bem atendidos pelos gerentes”, lembra.

Montaldo lembra que o crédito obtido ajudou a empresa nos primeiros meses do delivery, quando a receita habitual do negócio havia caído 90%. “O crédito ajudou e muito, eu diria que ele foi fundamental para nossa sobrevivência. E eu não estou exagerando. Nem pelo fundamental, nem pela sobrevivência. Porque o nosso faturamento despencou geral. Então o crédito nos possibilitou um funcionamento mínimo e um investimento na mudança na nossa forma de trabalho. Sem ele, a gente certamente não teria conseguido passar pela pandemia, não teria conseguido sobreviver sem esse aporte”, pontua.

Nelson Batista se reinventou e agora trabalha no ramo de pasteis junto com a família. FOTO: CORTESIA

Demissão e recomeço
Nelson Batista Sales é analista de sistemas que trabalhou por mais de vinte anos numa empresa privada em Maceió, mas acabou demitido junto com outros colegas em julho de 2020 em virtude da pandemia de Covid-19. Na época, decidiu tentar algo diferente do ramo que atuava há anos. “Optei por fazer uma coisa totalmente diferente do que eu fazia. Sempre gostei de fazer pastéis nas festas e nas comemorações da família. Me identificava com isso e queria montar algo nesse sentido”, conta.

Mesmo sem conhecimento de culinária, Nelson Sales resolveu apostar no novo ofício e hoje se sente realizado, embora seja algo diferente do que estudou e trabalhou por anos. “Não fiz curso e nem nada, mas comecei a me inteirar do assunto, me organizei bastante e hoje tenho um foodtruck que vende pastel com massa artesanal, montado e feito na hora. Estou feliz, graças a Deus o resultado está superando todas as minhas expectativas”, comemora.

Investimento de R$ 970 milhões em 9 meses

Em entrevista à Gazetaweb, Sidinei Reis dos Santos, superintendente Estadual do Banco do Nordeste em Alagoas, avalia a possibilidade de se reinventar durante a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.  “Tenho plena convicção de que não só é possível como em alguns casos imprescindível a continuidade do empreendimento. Temos diversas situações de clientes que mudaram ou adaptaram seu modelo de negócio para uma melhor eficiência na gestão e sua perenidade”, explica.

Além de ter intensificado a aplicação do principal produto que é o FNE Tradicional (Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste) com as melhores condições do mercado, atendendo a clientela de todos os portes e todos os setores produtivos, o BNB também disponibilizou o FNE Emergencial e o PRONAMPE (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), tendo contratado e beneficiado, principalmente, as micro e pequenas empresas, bem como os empreendedores informais.

“Destaque-se que além de lançar produtos diferenciados, o Banco suspendeu de forma automática o pagamento de todas as parcelas das operações vencíveis em 2020 para todos os seus clientes. Isso gerou alívio no fluxo de caixa das empresas e cumprimento de outros compromissos”, acrescenta Sidinei Reis dos Santos.

Sidinei Reis fala sobre a importância dos produtos ofertados pelo BNB. FOTO: ASSESSORIA

A reportagem pergunta ao superintendente como nasceu o FNE Emergencial, linha de crédito especial e o investimento em Alagoas. “Sensível ao impacto gerado pela pandemia na economia nordestina, a Diretoria Executiva buscou formas de socorrer as empresas, com vistas a preservar os empregos e a renda da população amenizando os efeitos da Covid-19. Nesse aspecto, foram investidos pelo BNB, em Alagoas, R$ 970,9 milhões em 166.657 operações, no período da pandemia, desde março de 2020”. O valor informado inclui todas as linhas de crédito contratadas no período da pandemia de 20 de março de 2020 até o dia 11 de dezembro.

Sobre o papel do Banco do Nordeste na retomada da economia, Sidinei Reis explica que o Banco tem se mostrado o grande parceiro dos empreendedores buscando apoiá-los, em sua área de atuação, com créditos para manutenção, ampliação, modernização e implantação através de operações de capital de giro, custeio, investimento e comercialização.

“Estimular o aquecimento econômico coaduna com nossa visão de ser o banco preferido do Nordeste, reconhecido pela sua capacidade de promover o bem-estar das famílias e a competitividade das empresas da região. O corpo funcional do Banco do Nordeste está imbuído no propósito de fazer a diferença nas vidas das pessoas e não medirá esforços para que isso aconteça”, finaliza.

Para o economista Jarpas Aramis, empreendedores precisam planejar os negócios. FOTO: ARQUIVO GAZETA

De acordo com o economista Jarpa Aramis, os benefícios do acesso ao crédito são muitos. “Você não tem recursos e o fato de você ter possibilidades de acesso a crédito facilita, dá uma grande ajuda para você se lançar no novo negócio”.
Contudo, segundo ele, é importante que o empresário consiga mensurar, projetar e planejar o que está querendo empreender. “Então, o primeiro passo é dimensionar, em termos financeiros, o quanto, de fato, vou ter que investir. E fazer uma distinção clara entre o que é empréstimo e o que é investimento”, conta.

De acordo com Aramis, a principal ferramenta para esse processo é um plano de negócios. “Neste plano eu vou conseguir projetar, visualizar de maneira antecipada quem é meu público, quais são meus concorrentes, quais são meus fornecedores, qual a estrutura de capital humano que eu vou precisar, a estrutura de um capital inicial, gestão de estoque, as principais forças, fraquezas, oportunidades e ameaças”, explica.

Ele cita ainda a importância de estar atento para o capital de giro. Além disso, diz que quem busca o crédito precisa avaliar se tem capacidade de pagamento das parcelas do empréstimo.

Fonte: Gazeta Web

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