Por que é importante mapear a educação formal da população transmasculina?

Institutos querem reunir informações sobre a educação formal de pessoas transmasculinas (Getty Image)
  • Levantamento tem como objetivo reunir informações sobre a população transmasculina;
  • Pesquisa pode ajudar a identificar dificuldades encontradas no percurso escolar;
  • Dados podemos direcionar tomadas de decisão e criação de políticas públicas.

Fernando mudou de nome durante o segundo ano do ensino médio. Como até mesmo os professores respeitavam a identidade de gênero do rapaz, ele não achou que teria problemas em usar o banheiro masculino.

Um pouco antes de se formar, o jovem foi abordado por um segurança ao tentar entrar no toalete. O funcionário da instituição de ensino disse que ele não deveria estar ali. Ao tentar reportar a situação para o diretor, ouviu que deveria usar o espaço feminino ou só frequentar o banheiro de casa.

“Você fica na escola das 8 até 6 da tarde na escola e não pode usar o banheiro porque alguém está incomodado com a sua presença. Essa foi a transfobia mais grave que eu já sofri lá dentro”, conta Fernando Martins. Ele foi estudante de uma escola técnica de São Paulo.

Esse é um dos inúmeros desafios encontrados pela população trans para concluir os estudos. É por isso que o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat) decidiu realizar, em parceria com o Instituto Internacional Sobre Raça, Igualdade e Direitos, um levantamento para mapear dados sobre a educação formal de pessoas transmasculinas.

“Ter dados sobre a situação educacional é crucial para acompanharmos os desafios e possibilidades que estão compondo a educação da nossa população, além das violências e violações sofridas, pois sabemos que pessoas trans tem sido vítimas de violências nos ambientes educacionais, que acabam por expulsar esses corpos, tirando-lhes o direito à educação e à formação continuada”, explica Murillo Medeiros, Coordenador de Educação e Formação Continuada do Ibrat.

A pesquisa feita no ano passado mostrou que 12,7% dos 1.217 homens trans entrevistados tinham ensino superior completo e 23,5% terminaram o ensino médio. O número contrata com os dados disponíveis sobre trans e travestis. Só 0,02% estão na universidade, 72% não possuem o ensino médio, e 56%, o ensino fundamental, conforme dados levantados pelo projeto Além do Arco-íris/Afro Reggae.

Entre as principais conclusões do estudo está a constatação de que, por mais que a população transmasculina acesse mais os ambientes educacionais que a população transfeminina, ainda há uma lacuna muito grande no acesso e permanência. Além disso, a questão da violência e do despreparo das instituições ainda tornam o percurso escolar ainda mais difíceis.

Nome social, pronomes e outras questões

Assim que terminou a escola, Fernando entrou na faculdade de cinema. Apesar de relatar um bom acolhimento entre os colegas e professores, o estudante universitário enfrentou mais um constrangimento no ambiente de estudos.

Logo no início da graduação, a instituição de ensino divulgou a lista de estudantes divididos por salas, mas separou as pessoas trans em uma lista à parte. Para piorar, colocou o nome de registro ao lado do social, expondo os alunos que não eram cisgênero.

Fernando está no último ano do curso de cinema (Arquivo pessoal)

“Os dados apontam para o despreparo das gestões educacionais em lidar com a presença de pessoas transmasculinas, e ainda o desrespeito em relação ao nome social nas instituições e no ENEM, o que mostra uma enorme defasagem na formação dos profissionais para questões que envolvam a diversidade e no descumprimento das normativas já estabelecidas, o que contribui massivamente com a expulsão das transmaculinidades e a descontinuidade da formação educacional”, reforça Murillo.

Neste ano, o Ibrat deve aprofundar os dados coletados. O instituto quer fazer um mapeamento com mais pessoas transmaculinas para aumentar a quantidade de informações coletadas. Para participar, basta responder o questionário divulgado pela instituição.

Dessa forma, a organização espera direcionar tomadas de decisões e contribuir com a elaboração de políticas públicas que diminuíam a exclusão e a discriminação durante a formação profissional.

“É nosso direito enquanto cidadãos frequentar os espaços educacionais. Principalmente as faculdades, que ainda são os lugares com pouquíssimas pessoas trans. A gente precisa se formar, ter um diploma e poder mostrar ao mundo do que somos capaz”, diz Fernando.

Fonte: Yahoo Finanças

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