Um levantamento feito a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) revelou um retrato inédito do mercado de trabalho do interior do país. As informações do primeiro trimestre de 2019 mostram que o desemprego no interior é menor que nas regiões metropolitanas em 18 estados. Entre os cinco estados sem região metropolitana, apenas o interior do Mato Grosso do Sul tem a desocupação maior que a capital.
Para chegar a esse recorte territorial, o interior foi considerado como todos os municípios do estado, excluída a região metropolitana, quando existir, e a capital. Na comparação com a taxa de desocupação do país, de 12,7%, apenas 10 regiões de interior tiveram desemprego maior que o índice nacional.
Mas esses resultados não significam que as condições do mercado de trabalho sejam melhores fora dos grandes centros urbanos. Pelo contrário, 62,4% das pessoas que trabalham na informalidade estão no interior, ou seja, 20,8 milhões de trabalhadores sem carteira assinada (empregados do setor privado e trabalhadores domésticos), sem CNPJ e sem contribuição para a previdência oficial (empregadores e por conta própria) ou sem remuneração (auxiliam em trabalhos para a família). No Brasil, 36,3% da população ocupada está em uma dessas condições de informalidade.
A informalidade no interior é maior que nas regiões metropolitanas, mas isso só não acontece nos estados de São Paulo e Santa Catarina. Quanto à proporção dessa população, o país tem 13 estados com pelo menos metade de seus trabalhadores do interior em condições informais. Todos esses locais estão no Norte e Nordeste, sendo que o interior do Amazonas tem o maior percentual, com 71,7% de informais. Já o interior de Santa Catarina tem a menor taxa, com 19,4% de seus ocupados na informalidade.
O Amazonas também é o estado com a maior diferença de trabalhadores informais na comparação entre interior e região metropolitana, seguido por Sergipe, Ceará, Piauí, Bahia e Paraíba.
Além da desocupação e da informalidade no interior, os microdados da PNAD Contínua mostram o rendimento médio desses locais no primeiro trimestre do ano. De acordo com a pesquisa, o rendimento mensal dos ocupados no interior equivale a menos da metade do recebido pelos trabalhadores das capitais de oito estados. A média do país é de R$ 2.291.
No Espírito Santo, por exemplo, enquanto um trabalhador do interior recebia R$ 1.725, um da capital ganhava R$ 4.653, a maior diferença encontrada, de RS 2.928. Já Rondônia teve a menor diferença, de R$ 514, onde o rendimento médio do interior foi de R$ 1.736, contra R$ 2.250 em Porto Velho.
Os menores ganhos mensais se concentraram no interior das regiões Norte e Nordeste, sendo o mais baixo no Amazonas, com rendimento médio de R$ 1.016. As regiões de interior com os maiores rendimentos estão nos estados de São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, todos acima de R$ 2.000.
Entrevista
Em entrevista para a Agência IBGE Notícias, o diretor-adjunto de Pesquisas do IBGE e especialista em trabalho e rendimento, Cimar Azeredo, explica o conceito de informalidade desenvolvido com base na PNAD Contínua. O pesquisador ressalta a necessidade de se identificar as diferenças entre os mercados de trabalho do interior e das regiões centrais para o planejamento de políticas públicas e a relevância desse tema na agenda internacional.
Agência IBGE Notícias – Qual a importância desse recorte regional sobre a informalidade no mercado de trabalho?
Cimar Azeredo – Em função principalmente da crise econômica iniciada em 2014/2015, o Brasil perdeu cerca de quatro milhões de empregos com carteira de trabalho assinada em cinco anos. O efeito colateral disso foi o aumento expressivo da informalidade em todas as regiões do país.
No interior, onde tradicionalmente as relações de trabalho informais são mais acentuadas, o aumento também foi significativo. Mapear, conhecer as especificidades e caracterizar a informalidade é fundamental para que políticas eficazes de geração de emprego, trabalho e renda possam ser propostas e executadas à luz da heterogeneidade do mercado de trabalho.
Agência – O que se define como trabalho informal?
Cimar – A informalidade é definida com base em uma proxy focada no setor privado. No indicador proposto, a informalidade é constituída de empregados que não possuem vínculos com a empresa nas quais trabalham, além de empregadores e trabalhadores por conta própria, cujas empresas não estão registradas no CNPJ e que não contribuem para a Previdência Social do país.
Adicionamos na construção desse indicador proxy os trabalhadores domésticos sem carteira de trabalho assinada e os trabalhadores familiares auxiliares, que são aquelas pessoas que trabalham em ajuda a um morador do domicílio ou a parente, sem receber pagamento.
É importante termos consciência de que a construção de indicadores dessa natureza leva em consideração as variáveis disponíveis nas pesquisas, no caso, a PNAD Contínua. Nem sempre as medições “desejáveis” são aquelas “possíveis”, e essa limitação vale para toda pesquisa domiciliar de qualquer lugar do mundo.
Agência – Em termos de qualidade no emprego, quais diferenças entre o interior e os grandes centros urbanos?
Cimar – É importante destacar que se verifica nas regiões metropolitanas uma presença maior de trabalhadores em grupamentos de atividades com características mais formalizadas. Isso se deve à maior parte das indústrias, principalmente as que empregam mais, estarem nas regiões metropolitanas.
Tradicionalmente, a indústria é um grupamento de atividade com maior presença de empregados com carteira de trabalho assinada e de trabalhadores contribuindo para a Previdência Social. Apesar de ter sido um dos grupamentos que mais sentiu a crise econômica, continua sendo um dos mais formalizados.
Além disso, as grandes atividades industriais demandam, ao longo da sua cadeia produtiva, a prestação dos mais diversos tipos de serviços, inclusive especializados, com elevados níveis de remuneração, o que propicia a geração de emprego e renda também no setor terciário. Por sua vez, toda essa massa salarial gera, via efeito renda, demanda por bens de consumo e serviços, estimulando novas oportunidades de geração de emprego, trabalho e renda.
Por outro lado, o setor agrícola, mais presente no interior do país, apresenta um contingente maior de empregados sem carteira de trabalho assinada e de trabalhadores que não contribuem para a Previdência Social.
Agência – O que explica essa diferença de rendimento?
Cimar – Está relacionada a uma informalidade maior no interior. Em média, um trabalhador informal no setor privado recebe pouco mais da metade do rendimento auferido pelos trabalhadores formalizados. E os trabalhadores do setor privado na informalidade, além de não possuírem vínculos com a empresa em que trabalham, não têm os mesmos direitos aos benefícios e proteções sociais dos trabalhadores formais.
Agência – Do ponto de vista da proteção social, qual é a situação da população na informalidade?
Cimar – Num primeiro plano, ter carteira de trabalho assinada confere aos empregados do Brasil uma série de direitos, garantias e benefícios importantes que geram, principalmente, um sentimento de estabilidade, que é fundamental para a saúde física e mental dos trabalhadores e dos seus familiares.
O desligamento do trabalho, principalmente no setor privado, pode vir a qualquer momento, sobretudo no mercado de trabalho brasileiro no qual perdura uma significativa rotatividade. A possibilidade da demissão se agrava em períodos de crise econômica, ocasiões em que o trabalho formal, via de regra, fará diferença expressiva na vida dos trabalhadores e de seus familiares.
Ter direito ao seguro desemprego, poder contar com a reserva do fundo de garantia em caso de demissão, poder se afastar do trabalho por motivo de doença ou acidente sem perder a remuneração e a possibilidade concreta de poder contar com uma aposentadoria no futuro são diferenciais importantes nas relações de trabalho.
A carteira de trabalho assinada muitas vezes ainda funciona como um facilitador de acesso ao crédito e ao sistema financeiro, ainda que tenham surgido no país iniciativas de oferta de crédito e de inclusão financeira aos trabalhadores com outros tipos de relação laboral. Para os trabalhadores dos estratos de renda mais baixa, uma carteira de trabalho assinada reforça o sentimento de inclusão.
A informalidade é nociva também ao fortalecimento da estrutura das relações de trabalho e do diálogo social, um dos exemplos é o enfraquecimento da organização e debilidade da representação sindical.
Ainda que tenhamos destacado toda a importância do empregado assalariado com carteira de trabalho, é importante termos em mente que esta não é a única forma de inserção e de acesso à formalização no mercado de trabalho.
Agência – O que motivou essa análise mais detalhada sobre o mercado de trabalho informal?
Cimar – Eu acabei de destacar o quão importante é uma relação de trabalho formalizada e as diferenças desse tipo de relação na vida dos trabalhadores e de seus familiares. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) sublinha que a informalidade, em todas as suas formas, tem múltiplas consequências adversas para trabalhadores, empresas e sociedade.
Essa relação é nociva ao trabalhador pela ausência dos benefícios e por representar redução significativa na arrecadação do governo e na produtividade da economia, mas a informalidade também propicia outras distorções. Ela afetará a população de forma geral, mas vai se apresentar de forma mais perversa para a população dos estratos de renda mais baixo, para as mulheres, a população preta ou parda e os menos escolarizados.
Ao propor, no ano de 2015, a Agenda 2030, a Organização das Nações Unidas (ONU) reforça a mensagem de “não deixar ninguém para trás”. Temos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os ODS, que destacam os problemas sociais, econômicos e ambientais que assolam o planeta. O objetivo 8, por exemplo, busca o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente.
A informalidade está sendo pautada e o IBGE segue atento em ajustar a sua pesquisa principal de força de trabalho para poder, cada vez mais, estar alinhado às recomendações internacionais e produzir indicadores mais precisos sobre a informalidade.
Erramos: o texto confundiu taxa de informalidade no interior com a distribuição dos trabalhadores informais entre o interior e as metrópoles. Onde se lia: “Pelo contrário, a informalidade atinge 62,4% das pessoas ocupadas no interior dos estados”; leia-se: “Pelo contrário, 62,4% das pessoas que trabalham na informalidade estão no interior”.
Fonte: IBGE