Antes restrita a discussões de segundo plano, a preocupação com a preservação do meio ambiente tem ganhado impulso nos últimos anos e pressionado governos a tomarem atitudes que enveredem por esse caminho.
Doutor em Dimensões Humanas dos Recursos Naturais pela Universidade do Colorado (EUA), Ismael Nobre avalia que o governo brasileiro perdeu uma oportunidade de ouro de avançar com uma agenda sustentável nos últimos quatro anos.
Bioeconomia é um tema que ganhou grande destaque nos últimos anos, mas não é novo. O que faltou para que tivesse despontado antes?
A partir do ponto de vista do nosso desenvolvimento, fazer qualquer atividade econômica nas condições típicas da Amazônia é bastante difícil. Temos distâncias muito grandes, infraestrutura bastante deficitária em relação a outras regiões do Brasil que estão melhor servidas, por exemplo, com energia elétrica. No caso do Amazonas, temos cidades que não estão interligadas no sistema nacional [de energia].
A comunicação, a logística e o transporte também são difíceis. Então, esses entraves fazem com que mesmo a bioeconomia fique pouco competitiva. Por isso, acabamos tendo uma bioeconomia que é baseada ainda na extração de matéria-prima, o que não deixa de ser alimento para uma indústria baseada nas coisas da floresta.
Mas essa economia de matéria-prima não gera muita riqueza na região, então fica um sistema que não dá partida em uma economia mais vigorosa.
Qual o cenário atual da bioeconomia na região?
Estamos em um momento muito oportuno para mudar esse processo de bioeconomia de baixo valor para um de alto valor, fazendo a agregação de valor dos produtos na própria Amazônia. Você pega um produto que sai, hoje, como matéria-prima e cria um processo industrial que usa alta tecnologia, que já existe. Só precisamos convergir os atores, entre políticas públicas, investidores, pesquisa e desenvolvimento, para fechar essas pontas.
É aí que entra o Instituto Amazônia 4.0. A gente entende que existe todo esse cenário favorável de tecnologia, com potencial de investimentos e participação da iniciativa privada também, como exemplo posso dar o próprio Polo Industrial de Manaus, que tem toda a habilidade já implantada, os recursos para produzir essas fábricas que podem ser colocadas em comunidades do interior e que vão fazer a agregação de valor. Por exemplo, você tem um óleo que pode ser transformado em um cosmético ali mesmo. Ou um alimento que pode extrair e processar para transformar um suplemento alimentar.
Isso é o que chamamos de economia de alto valor agregado, certo?
Sim, vou dar um exemplo bem prático. O cacau para fazer o chocolate é vendido a R$ 10, R$ 13 o quilo. Se você transforma isso em um chocolate, vale de R$ 200 para cima. Essa diferença de 2.000 %, esse dinheiro é injetado na economia local, quando você faz agregação de valor. E para passar de uma coisa para a outra você precisa de cinco máquinas, um certo conhecimento. Só que aí é que tá o pulo do gato.
Esse certo conhecimento é crítico, e aí é que entram as tecnologias. Você coloca inteligência, processamento, sensores, atuadores, coisas que você tem sendo produzidas plenamente aqui no Polo Industrial e faz com que essa produção seja automatizada e controlada por computador. Ou seja, faz a qualidade ser sempre de chocolate fino e igual.
A própria Zona Franca de Manaus, originalmente, abrange também os municípios do interior, embora hoje fique muito restrita à capital, com raras exceções. O senhor citou a ideia de levar fábricas para os municípios. Só que a gente tem o problema da logística, que é cara. Qual seria a solução para escoar a produção nesse contexto?
Vamos considerar que o produto de valor agregado tem bem menos peso e vale muito mais que uma matéria-prima. Então, você transportar um chocolate ou um suplemento alimentar, um cosmético, você vai ter uma necessidade de transporte de menor tonelagem. Então, você já tem a viabilidade para usar, por exemplo, transporte aéreo.
Se fosse para sugerir novas estruturas para o interior do Amazonas, eu iria muito mais para o meio aéreo, com pequenos aviões. Mas claro que os rios, não iremos abrir mão para exportar a maioria das coisas. Nesse sentido, precisa haver mais pesquisa e desenvolvimento. O transporte hidroviário com diesel é bastante caro, mas existem tecnologias de motores que são elétricos. Às vezes, o combustível é até hidrogênio, que também pode ser fabricado localmente, o hidrogênio verde.
Essa viabilidade da bioeconomia depende de alguns passos, de direcionamento. E é isso que podemos ter com políticas públicas e com investimento do setor empresarial para termos esses avanços.
A atual gestão federal foi muito criticada quando se tratava de Amazônia. Além do aumento dos crimes ambientais, não tivemos grandes avanços no desenvolvimento sustentável. Inclusive, o Fundo Amazônia, que trata de doações de países para incentivar essas mudanças, ficou travado. Que avaliação o senhor faz da gestão Bolsonaro nesse ponto da economia na Amazônia?
O governo federal perdeu uma grande oportunidade nesses quatro anos de já avançar nesse potencial de economia que é a da floresta. E é um potencial não só para a Amazônia, embora ela seja a primeira beneficiada, mas uma economia que é baseada em uma floresta tropical única que pode ser um elemento para subsidiar a própria economia do país.
Acho que é um tempo perdido onde se paralisou muitos desses processos, embora nos estados tenhamos notado que houve um progresso. Os governadores fundaram o consórcio de governadores da Amazônia Legal. Então, agora, pelos anúncios que ouvimos do novo governo, há uma esperança, uma expectativa.
Do que foi anunciado até aqui pela equipe de transição e pelo próprio presidente eleito, Lula, o senhor tem expectativas medianas ou mais positivas sobre o avanço da bioeconomia nessa próxima gestão?
Pelo que já foi falado nos discursos após a eleição, agora na COP 27 também, houve bastante manifestação das futuras autoridades brasileiras, me deu muita esperança. Realmente parece que esse tempo que foi perdido está sendo observado. As pessoas que estão preocupadas com a construção do país estavam vendo com sofrimento, tristeza, esse momento de protagonismo sendo perdido.
Então, pelas palavras, parece que haverá um esforço extra para recuperar esse potencial perdido. É interessante dizer que não existe nada que fique vazio. Se você não otimiza o potencial da floresta para um desenvolvimento sustentável, aquele local vai ser desenvolvido de alguma forma, então, a gente acaba perdendo a floresta e perdendo a oportunidade.
Como garantir o protagonismo dos amazônidas não somente na atuação dessas atividades econômicas, mas também no retorno financeiro que pode vir a partir disso?
O Instituto Amazônia 4.0 foi criado justamente para dar essa resposta. A gente entende que, enquanto produtor de matéria-prima, há muito pouco retorno para aquele trabalhador. Agora quando você agrega valor nas localidades, por isso, o nosso modelo é de biofábricas distribuídas pelas cidades do interior e pelo interior dos municípios do interior também.
Isso, com rastreabilidade total, que é também um advento da tecnologia, é mais fácil você rastrear, pegar coordenadas de satélite e tudo isso sendo anotado automaticamente pelos sistemas tecnológicos, você consegue ter a noção exata de quem e em qual lugar trabalhou naquela produção.
Isso agrega uma narrativa que também confere valor ao produto. Esse recurso econômico vai diretamente para a região que produziu. Com isso, os donos desses recursos vão gastar onde, se moram no interior? Lá mesmo na cidade ou na vila. Dessa forma, o mesmo dinheiro vai passando de mão em mão e vai alavancando a riqueza, gerando um fator econômico que antes não existia.
*Com informações do Portal A Crítica