“Minha obra foi copiada por IA mais do que a de Picasso.”
A inteligência artificial (IA) está mudando a vida como a conhecemos, mas para o artista digital Greg Rutkowski está causando grandes problemas.
Ele disse que seu nome havia sido usado mais de 400 mil vezes como prompt em ferramentas de IA que geram arte desde setembro de 2022 — mas sem seu consentimento.
Prompts são os comandos enviados ao sistema de inteligência artificial para que ele gere a resposta almejada.
Quando ele checou, ele diz que seu nome havia sido usado como prompt mais vezes do que os nomes dos artistas Pablo Picasso e Leonardo da Vinci.
Nascido na Polônia, Greg teve suas obras usadas em games como Dungeons and Dragons e Magic: The Gathering, mas tem receio de que a popularidade recém-descoberta no mundo da inteligência artificial afete trabalhos futuros.
Sites como Midjourney, Dall.E, NightCafe e Stable Diffusion são conhecidos como plataformas de inteligência artificial generativa. Eles são capazes de criar obras de arte geradas artificialmente em segundos, a partir dos prompts que os usuários digitam.
As ferramentas aprenderam a fazer isso coletando bilhões de imagens existentes na internet. E os artistas estão reclamando que isso é feito sem o consentimento deles.
“Logo no primeiro mês que descobri, percebi que isso afetaria claramente minha carreira, e eu não seria capaz de reconhecer e encontrar meus próprios trabalhos na internet”, diz Greg.
“Os resultados vão ser associados ao meu nome, mas não será a minha imagem. Não será criado por mim. Então vai confundir as pessoas que estão descobrindo meu trabalho.”
“Tudo em que trabalhamos por tantos anos foi tirado de nós com muita facilidade pela inteligência artificial”, acrescentou.
“É bem difícil dizer se isso vai mudar toda a indústria a ponto de os artistas humanos se tornarem obsoletos. Acho que meu trabalho e futuro estão sob um grande ponto de interrogação.”
‘A arte real tem personalidade’
Embora os problemas sejam claros, há algumas maneiras pelas quais as ferramentas de inteligência artificial podem ser usadas para beneficiar os artistas, de acordo com o animador Harry Hambley, que é a força criativa por trás do personagem Ketnipz, uma sensação da internet.
“Acho que para mim a principal coisa que a arte generativa pode resolver é o tédio”, diz ele.”Mas pode ser assustador, e a internet já é um lugar selvagem, e você mistura IA com isso… não sabemos aonde vai dar.”
“Se eu acho que meu trabalho vai ser sacrificado pela IA ou que a IA vai fazer melhor do que eu? Não sei. Espero que não.”
Harry acredita que há mais na arte do que sua aparência.
“No fim das contas, acho que há uma razão maior pela qual as pessoas se envolveram com o Ketnipz, e não acho que seja apenas a mera estética dele.”
“Acho que há uma personalidade por trás que não acredito que alguém imitando possa realmente explorar.”
‘Simplesmente continue fazendo arte’
O artista James Lewis publica vídeos de sua técnica de pintura para mais de 7 milhões de seguidores no TikTok e no Instagram.
Ele ainda não descobriu se o seu trabalho foi usado pelas ferramentas, mas disse que, como a inteligência artificial aprendeu a partir de bilhões de obras de arte, seria difícil rastrear que trabalhos de artistas foram usados em cada imagem.
“Se houvesse uma maneira de voltar e descobrir quem inspirou esse estilo de imagem que foi gerado, acho que seria justo que esse artista recebesse algum tipo de compensação”, diz ele.
Enquanto isso, ele acredita que os artistas devem continuar sendo criativos.
“Tenho esperança de que por mais que a arte da IA se desenvolva e aperfeiçoe, nunca será capaz de capturar a verdadeira essência humana, a verdadeira criatividade que temos como pessoas”, avalia.
“Você ainda vai precisar de suas próprias ideias criativas, da sua própria iniciativa.”
Para a artista e pesquisadora de direitos humanos Caroline Sinders, cabe às empresas de IA resolver o problema.
“Parte do argumento que ouvimos das empresas é: ‘Temos tantos dados, seria impossível para a gente dizer, seria como procurar uma agulha no palheiro’.”
“Eu gostaria de dizer: Tudo bem, isso é um problema ‘seu’, não um problema ‘meu'”, ela acrescenta. “Tenho direitos autorais sobre as imagens e pretendo exercer meus direitos autorais se minhas imagens forem usadas sem meu consentimento.”
Ela afirmou que também estava preocupada com o viés que essas ferramentas criaram — e como isso significava que a arte da IA não estava refletindo o mundo real.
“Digamos que a gente peça a um sistema de IA de geração de imagens para gerar um médico atendendo uma família”, diz ela.
“O mais provável é que o médico seja gerado como um homem e provavelmente branco, e o progenitor provavelmente será gerado como mulher.”
“E este não é um exemplo que estou inventando aleatoriamente. Já foram feitos testes com esse tipo de pergunta genérica sem o gênero estar no prompt e, com bastante frequência, está refletindo esses estereótipos.”
Isso se estende ao preconceito racial e também ao capacitismo, afirma Irene Fubara-Manuel, que dá aulas na Universidade de Sussex, no Reino Unido.
Embora veja com entusiasmo as possibilidades oferecidas pela arte generativa, em sua opinião, questões como vieses raciais e de gênero em algumas imagens criadas são difíceis de superar.
“Eu estava tentando pintar meu cabelo no verão, e estava só procurando ‘pessoas de cor, cabelos loiros'”, relembra.
“O que recebi como resposta foi essa imagem fetichizada de pessoas negras. Sabe como? Com as linhas da mandíbula esculpidas, com a pele brilhando.”
“Há pessoas negras que são tão bonitas assim, mas as imagens que você vê comumente em muita IA são representações muito, muito fetichizadas das pessoas.Você não veria pessoas ‘plus-size’ ou com deficiências visíveis, por exemplo”, acrescenta.
Os artistas agora estão pedindo aos órgãos reguladores do Reino Unido e ao redor do mundo que tomem mais medidas para proteger os artistas e a indústria.
Irene explica que os artistas não são contra a inteligência artificial — “o argumento é contra a exploração”.
“Mas tenho esperança de que contribua para a criatividade humana em geral, assim como a criação dos computadores colaborou com a criatividade. Estou animada com sua contribuição”, pontua.
Caroline afirma, por sua vez, que mais regulamentação para a emergente indústria de IA no Reino Unido não “sufocaria” a inovação.
“Torna as coisas mais seguras, e é por isso que temos certas leis”, diz ela.
“É por isso que agora temos cinto de segurança e airbag nos carros, e muitas regras relacionadas a isso. Quando foram inventados, não tínhamos nada disso. Portanto, não é nada de outro mudo pedir, ou criar, salvaguardas e proteções.”
*Com informações do site BBC Brasil