De elevadores orbitais a canhões espaciais, alguns dos projetos visionários mais ambiciosos da história não são tão ‘impossíveis’ quanto parecem.
Em 1603, um padre jesuíta inventou uma máquina para erguer o planeta inteiro apenas com cordas e roldanas.
Christoph Grienberger revisou todas as obras matemáticas escritas por autores jesuítas, função semelhante à de um editor de revista científica moderna.
Ele calculou, com base na proporção 1:10, que, se uma roldana era capaz de permitir que uma pessoa levantasse 10 vezes o peso de um objeto sem ajuda, se alguém tivesse 24 engrenagens conectadas a uma esteira, poderia então levantar a Terra… bem lentamente.
Como qualquer acadêmico moderno que valoriza a teoria em detrimento da prática, ele deixou de fora os detalhes desagradáveis: “Não vou tecer essas cordas, tampouco determinar o material para as roldanas ou o lugar em que a máquina será suspensa: como são outras questões, deixo-as para outros descobrirem.”
Você pode ver como era o dispositivo teórico de Grienberger aqui.
Desde o advento da matemática, estudiosos visionários como Grienberger tentaram imaginar os limites extremos da engenharia, mesmo que não houvesse a tecnologia disponível na época.
Ao longo dos séculos, eles sonharam com máquinas para erguer o mundo, transformar a superfície da Terra ou até mesmo reorganizar o Universo.
Essa “engenharia em megaescala” — às vezes chamada de macroengenharia — lida com projetos ambiciosos que remodelariam o planeta ou construiriam objetos de tamanhos inimagináveis.
O que esses sonhos futuristas de megaescala podem nos dizer sobre a engenhosidade e a imaginação humanas?
As origens da engenharia em megaescala remontam aos gregos antigos. Arquimedes é famoso por muitas coisas, mas se vangloriava de uma: “Dê-me um ponto de apoio que moverei a Terra!”
Ele estava se referindo às alavancas: sabia que, com um eixo fixo, uma alavanca bem longa é capaz de exercer uma força tremenda. Assim como a máquina de Grienberger fazia com as roldanas, sua compreensão dessa mecânica tornava irresistível especular sobre problemas de magnitude muito além de qualquer questão prática.
Desde então, sempre que uma lei da Física era atestada como universal, o próximo passo natural era ampliá-la e explorar as consequências teóricas.
Isaac Newton notou que a lei que descreve a gravidade da Terra era aplicada tanto a maçãs quanto à Lua. Portanto, muito antes de a viagem para o espaço se tornar realidade, ele destacou que um canhão poderoso poderia, em princípio, ser ampliado para impulsionar um satélite na órbita da Terra. A ideia foi mais tarde descrita na obra de ficção científica Da Terra à Lua – Viagem Direta em 97 Horas e 20 Minutos (1865), de Júlio Verne.
No século 20, alguns grupos nos Estados Unidos e em outros lugares fizeram tentativas sérias para analisar se tal canhão poderia funcionar. Esses esforços falharam, e as elocubrações de Newton foram descartadas como uma previsão equivocada.
Mas vale a pena lembrar que nosso atual meio de transporte espacial — o foguete — já foi considerado improvável e fantasioso também.
Em 1920, o jornal americano The New York Times ridicularizou os defensores da ideia, sugerindo que eles não tinham o conhecimento de física de um estudante do ensino médio. (Em 1969, o jornal publicou uma retratação descontraída, no dia seguinte ao que os astronautas da Apollo 11 decolaram em direção à Lua.)
Ao longo dos anos, saltos teóricos da imaginação semelhantes em relação ao espaço levaram algumas pessoas a questionar se elevadores orbitais poderiam ser construídos.
Ao suspender um cabo muito forte a partir de um contrapeso, é fisicamente possível construir um elevador movido a energia solar para o espaço. Ao lançar uma espaçonave até a extremidade do cabo, ela poderia ser impulsionada para outros corpos celestes com um mínimo de combustível.
Os elevadores para a Lua ou Marte parecem ainda mais práticos graças à menor gravidade encontrada lá.
E dando ainda mais asas às nossas ambições astronômicas, há quem especule se os futuros humanos poderiam terraformar Marte para que se torne habitável, ou até mesmo construir uma “esfera de Dyson” de captação de energia solar ao redor do Sol.
No longo prazo, podemos querer realizar mudanças para fazer o Sol durar mais, mover a Terra para uma órbita mais ampla ou até mesmo transferir estrelas entre galáxias. Essas projeções são todas rebuscadas hoje, mas a matemática e a física não as descartam.
Redesenhando a Terra
De volta à Terra, os sonhos da engenharia em megaescala também inspiraram vários projetos de natureza utópica que envolvem a alteração dos oceanos e da atmosfera.
Na década de 1920, o projeto Atlantropa de Herman Sörgel sonhava em construir uma barragem hidrelétrica no Estreito de Gibraltar, entre a Espanha e o Marrocos. O nível da superfície do Mar Mediterrâneo seria reduzido em 200m, abrindo novas terras para povoamento.
Uma barragem extra no Estreito de Dardanelos para conter o Mar Negro complementaria a primeira represa; depois, haveria um dique entre a Sicília e a Tunísia para reduzir ainda mais o Mar Mediterrâneo; implantando eclusas no Canal de Suez e, por precaução, redirecionando o Rio Congo para reabastecer a bacia em torno do Lago Chade e irrigar o Saara.
Hoje, as preocupações ecológicas provavelmente descartariam todo o empreendimento, mesmo que tivesse apoio político, mas se tivesse havido dinheiro e vontade, poderia muito bem ter sido testado.
Um descendente moderno desse tipo de projeto, concebido mais como um alerta do que uma proposta séria (ainda, meticulosamente analisada), é a construção de uma barragem no Mar do Norte entre a Escócia, a Noruega, a França e o Reino Unido para resolver o problema do aumento do nível do mar.
E entre 1957-1977, os Estados Unidos conduziram o Projeto Plowshare para desenvolver técnicas de explosivos nucleares em grande escala para fins de construção pacífica (um programa semelhante, chamado Explosões Nucleares para a Economia Nacional, existia na então União Soviética).
Entre as ideias do programa, estava o uso de explosões nucleares para alargar o Canal do Panamá, cavar portos artificiais ou criar atalhos em cadeias de montanhas, assim como estimular reservatórios subterrâneos de gás ou petróleo. Não surpreende que o interesse em infraestrutura ligeiramente radioativa nunca tenha pegado.
No entanto, uma alteração em megaescala do planeta que hoje é seriamente considerada e estudada é a geoengenharia.
A geoengenharia envolve intervenções deliberadas no sistema climático para reduzir o impacto da luz solar (seja a partir do clareamento de nuvens com água do mar, adicionando aerossóis à estratosfera ou projetando sombra sobre a Terra a partir do espaço) ou para remover dióxido de carbono (usando olivina triturada, semeando florações de algas ou bombeando-o para o subsolo).
Parece possível e pode até se tornar necessário, mas o controle da entrada de radiação solar é definitivamente uma ideia arriscada.
Por arrogância, diversão ou pela humanidade?
Qual é a motivação para esse tipo de pensamento? Não é só o fato de ser divertido brincar de Deus.
Em muitos casos, é a lógica do “quanto mais, melhor”: se é bom obter terras agrícolas, por que não tentar obter o máximo possível? Se a energia é importante, quanto poderíamos teoricamente captar usando a tecnologia que conhecemos?
Esses projetos nos dizem coisas importantes sobre onde podem estar os limites e quanto podemos ganhar se realmente quisermos.
O objetivo não é prever “como” ou “quando”, costuma ser mais sobre como mapear até que ponto as leis do Universo nos impedem de levá-los adiante. Pode nos ajudar a distinguir o impossível do meramente improvável.
Muitos projetos de engenharia de megaescala também são, aos olhos de seus criadores, visões fortemente utópicas. Sörgel acreditava que o Atlantropa forneceria energia, terras aráveis e um clima melhor, mas também ajudaria a unir a Europa e a África.
O filósofo russo Nikolai Fedorov propôs o controle do clima como um primeiro passo em seu programa cosmista para unificar pacificamente a humanidade (depois, o espaço e a imortalidade). O objetivo é trabalharmos juntos por um grande objetivo. Não se trata tanto de exaltar o mundo, mas sim de exaltar a humanidade.
É fácil achar graça e considerar esses sonhos uma utopia impraticável ou uma arrogância da engenharia. Mas a Terra está rodeada por uma máquina que transmite petabytes de dados a cada segundo, armazena exabytes e que provavelmente você está usando agora (a internet).
Existe uma máquina maior do que um campo de futebol se movendo mais rápido do que a bala de fuzil orbitando lá no alto (uma estação espacial). E outra máquina na Europa tem 27 km de circunferência e converte energia em matéria exótica (o Grande Colisor de Hádrons). Imagine o que Arquimedes ou Newton teriam pensado a respeito disso.
Na verdade, vivemos em meio a estruturas de megaescala que mal notamos. Parte da engenharia em grande escala do nosso ambiente é quase invisível.
A Holanda, assim como as regiões inglesas de Cambridgeshire e Norfolk, são terras recuperadas do mar. A Floresta Amazônica não é tão primitiva como se pensava: foi cultivada por milênios. Os terraços do Sudeste Asiático e das modernas cidades metropolitanas são resultado de uma técnica de engenharia agrícola (terraceamento) que transforma a paisagem. Às vezes, com um grande plano, muitas vezes não.
Quando e por que funciona?
A experiência prévia com projetos de grande porte geralmente revela uma mistura de rombos no orçamento, problemas de planejamento e gerenciamento de projeto insatisfatório. Mas se somos tão ruins nisso, como alguns se materializam?
A missão Parker Solar Probe da Nasa viajou mais perto do Sol do que qualquer objeto feito pelo homem antes — Foto: NASA/JOHNS HOPKINS APL
Se levarmos em consideração as obras de engenharia em grande escala que realmente aconteceram — o terraceamento de partes do Sudeste Asiático, a recuperação de terras da Holanda, o sistema de rodovias interestaduais dos Estados Unidos, a internet —, elas consistem em projetos que podem ser implementados aos poucos, onde o trabalho pode ser interrompido e retomado após aprendizagem, e onde o sistema não depende de todas as partes funcionando perfeitamente.
Isso é bem diferente de muitas visões grandiosas, mas muitas vezes frágeis, na literatura, criadas por indivíduos obstinados. No entanto, alguns projetos de megaescala podem ser muito mais modulares e práticos do que parecem à primeira vista.
A questão não é a escala de tamanho, mas que formas de coordenação são necessárias. Vejamos o exemplo mencionado anteriormente da construção da esfera de Dyson.
Parece muito distante, mas de certa forma, começamos a rodear o Sol com coletores solares ao colocar satélites em sua órbita. Se continuarmos fazendo isso por alguns milhões de anos, pode haver uma esfera de Dyson no lugar.
Os grandes planos de cima para baixo para melhorar o mundo são mais fracos do que as soluções a conta gotas de baixo para cima.
No entanto, precisamos de visionários para saber o que um dia pode ser possível (“Claro, não podemos construir elevadores para o espaço ainda… mas um dia!”). E para pensar sobre as grandes direções que queremos seguir — sustentabilidade, espaço, prosperidade, segurança — de maneira ambiciosa.
Utopias Hubrísticas talvez sejam melhores deixadas no papel do que construídas no mundo real, mas também precisamos reconhecer que nunca houve tantas ideias ambiciosas para melhorar as coisas quanto hoje na história da humanidade.
Podemos não ter a tecnologia para transportar mundos, mas Arquimedes deve ter ficado satisfeito em saber que temos muito mais alavancas.
* Anders Sandberg (@anderssandberg) é pesquisador do Future of Humanity Institute da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Foto: Getty Images
Fonte: G1