Iniciativas contribuem para a inserção de refugiados no mercado de trabalho

Mais de 14 mil venezuelanos tiraram carteira de trabalho no Brasil. Projetos para colocação de migrantes oferecem cursos profissionalizantes e de elaboração de currículos

Simon José Fernandes Granadillo, de 34 anos, vivia uma vida confortável na Venezuela. Formado em Química, trabalhava há sete anos em uma empresa de petróleo, no polo industrial de Valencia. Era analista de qualidade. Com o agravamento da crise econômica, o salário de Simon já não era suficiente para a compra de itens básicos, como sapatos ou comida. Fugindo da crise e sem dinheiro para alugar um quarto de hotel, passou noites em rodoviárias, de cidade em cidade, até desembarcar em Boa Vista, em Roraima, em fevereiro de 2016.

Desde os trâmites legais para a solicitação de reconhecimento como refugiado em solo brasileiro, até sua chegada em São Paulo no mesmo ano, Granadillo, dependeu da ajuda de moradores para comer. “Eu não falava português e não tinha dinheiro. Era difícil conseguir um trabalho, por que eu não tinha RG, apenas um protocolo de solicitação de refúgio. Muitas pessoas nem sabiam o que significava”, conta Simon.

Simon é um dos mais de 2 milhões de migrantes que deixaram a Venezuela desde 2015, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A grave crise econômica, política e social no país intensificou o fluxo migratório de venezuelanos para países com Colômbia, Peru e Equador. No Brasil, entre 2015 e julho de 2018, cerca de 30 mil venezuelanos entraram no país em busca de refúgio, de acordo com um levantamento do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), com base nos dados da Coordenação Geral de Polícia de Imigração da Polícia Federal.

Morando com a família em São Paulo, Simon recomeçou a vida como auxiliar de produção na Pfizer, uma empresa farmacêutica multinacional, através do Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados (PARR). A iniciativa foi criada em 2011 pela EMDOC, consultoria especializada em imigração, com o apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e do Centro de Referência para Refugiados da Caritas Arquidiocesana de São Paulo.

O PARR tem como objetivo a inserção de refugiados e solicitantes de refúgio no mercado de trabalho, e já ajudou mais de 240 estrangeiros a se empregar. Atualmente, o programa tem mais de 300 empresas parceiras e cerca de 2.400 currículos cadastrados. Entre os setores que mais ofertam vagas de emprego pelo projeto está o de serviços, como restaurantes e hotéis.

Após o processo de acolhimento e regulamentação da documentação, realizado pela ACNUR e pela Caritas, os refugiados que buscam por uma oportunidade de trabalho são encaminhados ao programa. Recebem desde consultoria para a elaboração e divulgação de currículos, até o acesso a uma plataforma online com um banco de vagas das empresas contratantes. Uma vez feito o cadastro dos candidatos, o PARR cruza informações sobre a formação acadêmica e experiências profissionais dos refugiados com a área de atuação das empresas.

João Marques da Fonseca, presidente da EMDOC e idealizador de um projeto, explica que uma das maiores dificuldades para a inserção dos refugiados no mercado de trabalho no Brasil é a comprovação da qualificação profissional e validação do diploma universitário, fatores que impedem migrantes como Simon de ser contratados pela profissão exercida no país de origem.

“Há muitos venezuelanos com nível superior em áreas como petróleo e gás, por exemplo, setores com carência de mão de obra no Brasil. Não aproveitar o conhecimento dessas pessoas seria privá-las de uma oportunidade de recomeçar a vida fora de um abrigo. É um ganho que nós deixamos de ter, seja a nível cultural, tecnológico e em inovação e, principalmente, deixamos de inseri-las convívio da sociedade”, afirma João  Marques.

O projeto também busca sensibilizar as companhias sobre a importância da contratação e conscientização da situação de milhares de pessoas que deixam seus países de origem em busca de oportunidades ou de sobrevivência.

Para o presidente da EMDOC, o preconceito ainda é um dos principais desafios, mas ao longo anos houve maior abertura das empresas privadas para a contratação de refugiados. “As empresas começaram a perceber que essas pessoas também trazem um ganho para o negocio”, diz João Marques.  “A introdução do refugiado no mercado também um ganho empresarial, não que as práticas deles sejam melhores que as nossas, mas elas podem se complementar. São culturas diferentes”.

Sediada em São Paulo, a Missão Paz, fundada na década de 1930, é uma das principais instituições de apoio e acolhimento de imigrantes e refugiados. A organização também conta com um eixo composto pelas áreas de Mediação para o Trabalho e Capacitação e Cidadania, que oferece aulas de português e cursos profissionalizantes.

“O migrante recebe um treinamento sobre o mundo corporativo no Brasil através de uma turma de interculturalistas. As palestras são feitas no idioma deles, e eles recebem dicas para entrevistas e de como se adaptar ao ambiente de trabalho”, diz Ana Paula Caffeu, coordenadora do Eixo Trabalho da Missão Paz.

Os departamentos de recursos humanos das empresas que procuram a Missão Paz para contratar migrantes também participam de um treinamento preparatório e passam por uma avaliação de cadastro. Durante o encontro entre as empresas e os candidatos, o processo também é feito por mediadores voluntários. Mesmo após a contratação, as equipes do projeto realizam visitas técnicas de avaliação aos empregadores para acompanhar a inserção e adaptação do migrante no novo emprego.

Desde 2012, mais de 6 mil migrantes e refugiados foram para o mercado de trabalho através do trabalho da Missão Paz, sendo os setores da indústria, comércio e alimentação como os principais empregadores. Além da mediação e capacitação, os participantes do projeto são orientados e encaminhados aos postos de atendimentos responsáveis pela emissão de documentos, como a carteira de trabalho. De acordo com o Ministério do Trabalho, mais de 14 mil venezuelanos receberam o documento no Brasil. Somente este ano, foram 11. 547 carteiras emitidas.

Para Ana Paula, o acesso à informação é um dos principais meios para desmistificar paradigmas sobre o tema da migração e possibilitar o acolhimento de refugiados no mercado de trabalho.  “Quando uma pessoa percebe que ela também veio de algum lugar, sejam pais, avós ou bisavós, isso contribui para um despertar de consciência de que essas pessoas precisam de apoio, e que elas também têm uma forte motivação para o trabalho”, afirma Caffeu.

Fonte: https://epocanegocios.globo.com

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