‘Homeschooling’: entenda o modelo de aprendizagem domiciliar que o governo quer regulamentar até julho

Acordar, vestir o uniforme e sair correndo para o colégio? Esta rotina não fez parte da infância de Arthur Lopes, de 13 anos. Ele foi educado em casa, e teve como professores… os próprios pais. Só em 2020, por decisão da Justiça, que o menino foi matriculado em uma escola regular.

No Brasil, a educação domiciliar (ou “homeschooling”, em inglês) não é permitida. Segundo o G1 apurou, a regularização deste modelo deve ocorrer ainda no primeiro semestre de 2021, após a votação de um projeto de lei na Câmara.

O tema é considerado prioritário no governo Bolsonaro, mesmo diante de problemas educacionais que afetam grupos maiores (exclusão digital, déficit de aprendizagem durante a pandemia e evasão escolar, por exemplo).

Nesta reportagem, você vai saber:

  1. O que é ‘homeschooling’?
  2. O que pode mudar com a regulamentação?
  3. Existe regulamentação em algum lugar do país?
  4. Quais grupos defendem o movimento?
  5. Discutir a educação domiciliar no Congresso deveria mesmo ser prioridade?
  6. Para os críticos, a falta da escola traria quais consequências às crianças?
  7. O que seria ensinado em casa? Haveria um plano pedagógico?
  8. Quais materiais seriam usados? Quem seriam os professores?
  9. Como é a rotina de uma família de ‘homeschooling’?
  10. Atualmente, o que acontece com uma criança que fica fora da escola e é educada em casa?
  11. Como entrar na faculdade sem ter estudado em escola?
  12. A educação domiciliar substituiria a tradicional?
  13. Qualquer família conseguiria seguir a educação domiciliar?
  14. Como a educação domiciliar funciona em outros países?

Por mais que seja uma bandeira da atual gestão, o debate existe há quase três décadas no país. De um lado, há quem alegue que os pais devem ter o direito de escolher como educar as crianças. Do outro, estão especialistas preocupados com as consequências pedagógicas e sociais de manter um aluno fora da escola.

Educadores críticos ao modelo apontam possíveis prejuízos na falta de interação, já que um dos maiores ganhos da escola regular é justamente proporcionar a convivência constante entre pessoas de diferentes universos.

Também afirmam que o ensino domiciliar poderia dificultar a identificação de casos de abuso infantil ou de violência doméstica, que seriam detectados pelos professores na sala de aula convencional (entenda mais abaixo).

Mesmo sem autorização, em 2019, mais de 11 mil famílias educavam crianças e jovens fora do ambiente escolar no país, segundo os dados mais recentes da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned).

São grupos de diferentes perfis, com motivações religiosas, políticas ou filosóficas. No caso de Arthur, por exemplo, os pais viajavam muito a trabalho – e optaram pelo “homeschooling” para estarem sempre próximos da criança.

“Não era nada contra a escolarização formal, e sim uma opção mais viável e rica para ele”, conta Inês Lopes, mãe do menino.

Havia horários para acordar, fazer atividades de música e se exercitar. Durante duas horas diárias, ele tinha “aulas de conteúdo” dadas pelos pais.

Arthur acompanha trabalho de apicultor no sítio onde morava e estudava — Foto: Arquivo pessoal

Arthur acompanha trabalho de apicultor no sítio onde morava e estudava — Foto: Arquivo pessoal

A família estava satisfeita com os resultados. Mas, desde 2017, quando foi denunciada, enfrenta uma batalha judicial para manter o menino em casa. Foram inúmeras visitas de assistentes sociais, até o juiz determinar que, mesmo com o bom desenvolvimento acadêmico, seria necessário matricular a criança em uma escola.

Inês e o marido ainda aguardam os recursos. Mas, depois da pressão, decidiram ceder e colocar a criança em um colégio regular.

Abaixo, confira perguntas e respostas sobre a educação domiciliar:

O que é ‘homeschooling’?

A educação domiciliar ou “homeschooling” é o modelo adotado por famílias que querem educar seus filhos fora da escola. Elas mesmas ensinam as crianças ou, se preferirem, contratam professores particulares.

O que pode mudar com a regulamentação?

Há 27 anos, projetos de lei são apresentados para exigir a legalização do movimento. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a educação domiciliar não é inconstitucional, mas precisa de uma normatização para ser permitida.

Três anos depois, em março de 2021, um dos projetos de regulamentação avançou na Câmara, e a deputada Luísa Canziani (PTB/PR) foi nomeada relatora da matéria.

Em entrevista ao G1, ela afirmou que debaterá o tópico em audiências públicas, com a participação da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Deputada Luisa Canziani foi nomeada relatora do projeto de lei sobre educação domiciliar — Foto: Divulgação

Deputada Luisa Canziani foi nomeada relatora do projeto de lei sobre educação domiciliar — Foto: Divulgação

“A educação domiciliar não vai deixar de existir, mesmo sem regulamentação. Por isso, prefiro que o Estado traga alguma forma de balizar e fiscalizar a prática”, diz.

Segundo ela, é importante que o governo estabeleça normas de funcionamento para os praticantes do modelo. Seria uma forma de ter mais controle do que está sendo feito nos domicílios e de evitar casos de abandono intelectual, violência doméstica ou abuso infantil.

“A intenção não é competir com a escola regular, e sim detalhar os princípios que devem ser seguidos por quem educa em casa.”

De acordo com Canziani, o texto, que será ainda debatido e votado em plenário, traz as seguintes determinações:

  • um dos pais ou responsáveis pela criança no “homeschooling” deve ter ensino superior completo;
  • os alunos vão estar vinculados a uma escola pública ou particular, que monitorará as atividades ocorridas em casa (os detalhes ainda não foram fechados);
  • os conteúdos ensinados no domicílio devem seguir a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que estipula o mínimo a ser ensinado nas escolas regulares;
  • as crianças devem ser socializadas (mas ainda não há um consenso sobre a forma de garantir que isso ocorra);
  • avaliações periódicas devem acontecer (a frequência delas – bimestral ou anual, por exemplo – será debatida).

Na Comissão de Educação, em 31 de março, o ministro Milton Ribeiro afirmou que o “homeschooling” é uma política de governo. Também disse que os alunos educados em casa participarão de encontros em uma escola formal, para serem avaliados.

Existe regulamentação do ‘homeschooling’ em algum lugar do país?

Sim. Em iniciativas isoladas, o Distrito Federal (veja detalhes) e os município de Cascavel (PR) e Vitória (ES) regulamentaram o “homeschooling” em seus territórios.

Governador Ibaneis Rocha sanciona lei do homeschooling — Foto: Renato Alves / Agência Brasília

Governador Ibaneis Rocha sanciona lei do homeschooling — Foto: Renato Alves / Agência Brasília

Entidades relacionadas à educação e opositores do projeto defendem que o tema só poderia ser transformado em lei pelo Congresso Nacional. Por constituir uma “modalidade de educação”, ele seria de competência exclusiva da União.

Por isso, no DF, por exemplo, o sindicato de professores (Sinpro-DF) acionou o Tribunal de Justiça do DF (TJDFT) solicitando a anulação da lei por inconstitucionalidade.

O advogado Édison Prado de Andrade, doutor em educação e defensor de famílias que praticam a educação domiciliar, explica que parte dos ministros do STF votou para que em até um ano fosse discutida uma lei que regulamentasse o “homeschooling”.

“O julgamento foi em 2018, e o Congresso Nacional não votou. Juridicamente, mesmo que se entenda que deva ser uma lei nacional, isto abriu margem para os entes federados fazerem suas leis”, diz.

Quais grupos defendem o movimento?

A Aned calcula que, em 2019, cerca de 11 mil famílias, com 22 mil estudantes entre 4 e 17 anos, praticavam a educação domiciliar no país. De acordo com o órgão, o número “aumentou assustadoramente” após a pandemia.

Justamente por ser defendida pelo governo Bolsonaro – e, principalmente, pela ministra Damares Alves -, a ideia de “homeschooling” costuma ser associada, no Brasil, a grupos conservadores. Há, de fato, famílias que querem educar seus filhos em casa por motivos:

  • religiosos, para que as crianças aprendam conceitos como criacionismo (teoria de que o mundo foi criado por Deus), opostos às teorias científicas ensinadas na escola;
  • políticos, alegando que os colégios têm posicionamentos ideológicos esquerdistas – na linha do movimento Escola Sem Partido.

No entanto, estudiosos do “homeschooling” garantem que estes grupos listados acima não formam a maioria dos defensores do movimento no país.

“Existe, sim, uma vertente religiosa, mas não é a principal. Aqui, outras questões envolvem a decisão da educação domiciliar: famílias que viajam, pais que estão sempre em trânsito ou comunidades alternativas”, afirma Maria Celi Chaves Vasconcelos, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Segundo ela, associar o “homeschooling” apenas a famílias conservadoras é uma “análise simplista”.

“Nos Estados Unidos, a maioria tem a vertente religiosa, do criacionismo. No Brasil, não dá mais para colocar dentro de um único estereótipo”, diz.

No Rio de Janeiro, Laura Silva*, por exemplo, escolheu o modelo para suas filhas por uma questão financeira.

Cronograma anual mostra os dias letivos cumpridos por Luana no 'homeschooling' — Foto: Arquivo pessoal

Cronograma anual mostra os dias letivos cumpridos por Luana no ‘homeschooling’ — Foto: Arquivo pessoal

“Eu tinha receio da escola pública, mas a particular era cara. Foi aí que conheci outras famílias que praticavam a educação domiciliar e gostei da proposta”, diz. “É um percurso com vantagens e desvantagens, mas foi muito rico e me deu a oportunidade de passar mais tempo com a Luana*, minha filha.”

Discutir a educação domiciliar no Congresso deveria mesmo ser prioridade?

Especialistas criticam que o “homeschooling” seja colocado como prioridade no país. “Existem outras questões de educação mais urgentes, gravíssimas, que precisam ser atendidas e que deveriam estar em pauta no Congresso. Não dá para pensar em desescolarizar um projeto de escolarização que sequer foi concluído”, afirma Vasconcelos.

Telma Vinha, doutora em educação e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), reforça o mesmo ponto.

“Temos crianças que não conseguem ler e escrever; estudantes sem acesso à tecnologia… Diante desta tragédia, em vez de pensar em recuperar a aprendizagem perdida na pandemia, em garantir a segurança para a reabertura das escolas ou em ir atrás dos alunos evadidos, vamos priorizar uma pauta de costumes?”, questiona.

G1 entrou em contato com o Ministério da Educação (MEC) para saber o posicionamento da pasta, mas não recebeu retorno até a última atualização da reportagem.

Há também quem pense o oposto: que a educação domiciliar é uma discussão antiga, de mais de 20 anos, e que deve, sim, ser regularizada em breve. “Estas famílias [que praticam a educação domiciliar] estão sendo denunciadas, perseguidas pelo Judiciário, sendo pessoas de bem que interferem positivamente na educação dos filhos. Isto precisa ser resolvido, sim”, diz Dias, da Aned.

Para os críticos, a falta da escola traria quais consequências às crianças?

Telma Vinha, da Unicamp, elenca possíveis consequências para um aluno de “homeschooling”:

  • riscos de violência:

Segundo ela, a maior parte dos casos de maus-tratos e de abuso sexual em crianças é descoberta na escola. Os professores, convivendo diariamente com os alunos, conseguem perceber sinais dados pelas vítimas, como alterações de comportamento.

“No ‘homeschooling’, se tiver visita de assistente social, precisaria de um tempo maior de contato entre o profissional e a criança, para se estabelecer uma relação de confiança”, diz. “A escola tem um aspecto protetor importante. Isso é muito sério. Para mim, só por isso, o projeto já deveria ser extinto.”

  • falta de estímulos na interação social:

Os defensores da educação domiciliar costumam dizer que a criança continuará tendo contato com pessoas de fora da família, indo a parques, museus, igrejas ou atividades extracurriculares. Para Vinha, no entanto, estes tipos de relacionamento não substituem aqueles que ocorrem na escola.

“Precisa haver uma relação contínua entre pares, com e sem interferência de adultos, para que sejam desenvolvidas habilidades emocionais e sociais”, afirma. “A escola traz uma experiência de brigas, de tirar o brinquedo do outro, de argumentar, de conviver com quem você não gosta e de precisar se entender para reencontrar a mesma pessoa no dia seguinte. É um desenvolvimento que demora anos. No clube, a convivência costuma ser com semelhantes.”

Criança brinca com jogo educativo em casa — Foto: Jelleke Vanootegh/Unsplash

Criança brinca com jogo educativo em casa — Foto: Jelleke Vanootegh/Unsplash

O que seria ensinado em casa? Haveria um plano pedagógico?

Segundo a deputada Canziani, relatora do projeto de regulamentação, haverá a necessidade de apresentação de um plano pedagógico a ser seguido em casa.

O advogado Édison Andrade afirma que haveria três possibilidades principais:

  • os próprios pais poderiam formular o programa de ensino;
  • caso eles não se sintam preparados para isso, contratariam um profissional ou empresa que elaborasse o documento;
  • escola e pais decidiriam, juntos, o conteúdo pedagógico – com a possibilidade de um modelo híbrido, em que as crianças frequentariam o colégio apenas em aulas de disciplinas específicas.

Para a professora Telma Vinha, a regulamentação criará um novo mercado de venda de projetos pedagógicos. Segundo ela, o documento deveria ser “pensado coletivamente”, em vez de ser comercializado.

Quais materiais seriam usados? Quem seriam os professores?

Laura guardou os documentos em que listava os conteúdos ensinados à filha — Foto: Arquivo pessoal

Laura guardou os documentos em que listava os conteúdos ensinados à filha — Foto: Arquivo pessoal

Luana Silva, filha de Laura, foi educada em casa, por decisão de seus pais.

No ensino fundamental, eles mesmos tinham condição de ensiná-la. Depois, no ensino médio, a mãe contratou tutores, que ensinavam disciplinas específicas, e uma pedagoga, que montava os cronogramas.

Para Vasconcelos, a regulamentação do “homeschooling” deve acarretar a abertura de novas empresas que ofereçam, por exemplo, o serviço de aulas particulares. “A terceirização acontece em outros países que já regulamentaram a educação domiciliar. Nenhum pai vai dar conta de tudo sozinho”, diz.

Para especialistas, é importante que quem lecione seja o professor — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Para especialistas, é importante que quem lecione seja o professor — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Rick Dias afirma que muitas famílias estudam junto com os filhos, usam plataformas on-line de aprendizagem e compram livros. “Tem muito material nas redes sociais também, vendidos e compartilhados por praticantes – é um mercado informal que existe há mais de 10 anos.”

A falta de exigência de um professor é criticada por parte dos especialistas. Telma Vinha diz que a própria Lei de Diretrizes e Bases (LDB) determina que os docentes tenham uma formação específica. “Mesmo que o pai [no ‘homeschooling’] seja um advogado, isso é pisar nas nossas leis. Precisa ter um preparo para ensinar conteúdos e promover o desenvolvimento integral da criança.”

Como é a rotina de uma família de ‘homeschooling’?

Uma das vantagens do “homeschooling”, segundo seus defensores, é a maior liberdade para organizar a rotina de estudos. Diferentemente da escola, a grade de aulas pode ser mais flexível.

Laura, por exemplo, formou uma rede de contatos com outras famílias que também praticavam a educação domiciliar. Os tutores contratados para ensinar disciplinas específicas davam aula presencial para grupos de 6 ou 7 estudantes, de diferentes idades. Não havia a regra de separá-los por “série”.

Currículo cumprido pela filha de Laura na educação domiciliar — Foto: Arquivo pessoal

Currículo cumprido pela filha de Laura na educação domiciliar — Foto: Arquivo pessoal

A parceria também se dava na compra de materiais didáticos. Laura e uma amiga visitavam editoras e pediam descontos.

Além dessas aulas, havia outras atividades pedagógicas na rotina: de manhã, eram duas horas de leitura em família. Depois, chegava o momento do exercício e da brincadeira em casa. À tarde, mais duas horas de conteúdos pedagógicos, além do balé e da natação.

“Fizemos também muitas excursões, fomos a museus, vivíamos no Teatro Municipal, visitamos a Fiocruz para aprender como são feitas as vacinas. E a Luana fazia atividades extracurriculares, onde tinha contato com outras pessoas da idade dela”, conta a mãe.

E como ter certeza de que a menina estava aprendendo? Os livros adotados em inglês, já voltados para o homeschooling, tinham perguntas a cada unidade. E nos brasileiros, Laura fazia uma avaliação por bimestre. “Colocava todos os trabalhos dela em uma pastinha, para ter tudo documentado.”

Avaliação aplicada pela família de Laura no homeschooling — Foto: Arquivo pessoal

Avaliação aplicada pela família de Laura no homeschooling — Foto: Arquivo pessoal

A ideia da família era ensinar o que “a escola não costuma oferecer”. O pai de Luana, por exemplo, trabalhava como mecânico e ensinava lições de marcenaria à filha.

“É preciso pensar na educação domiciliar como algo progressista, novo, mesmo que tenha sido abraçado por grupos conservadores.”

Na casa de Inês, a programação do “homeschooling” de Arthur tinha momentos relacionados a hábitos saudáveis, como caminhadas digestivas. Veja abaixo:

Rotina diária de Arthur, aluno que estudava em casa  — Foto: Arquivo pessoal

Rotina diária de Arthur, aluno que estudava em casa — Foto: Arquivo pessoal

Atualmente, o que acontece com uma criança que fica fora da escola e é educada em casa?

Como o ensino domiciliar não foi regulamentado no Brasil até o momento, as famílias que o praticam ficam em “situação de ilegalidade”, explica o advogado Andrade. “Elas precisam se ocultar, com medo de enfrentar o estado”, diz.

Em geral, segundo o especialista, o conselho tutelar é acionado para intimar os responsáveis a matricular a criança em uma escola.

“Se, ainda assim, não matricularem, as autoridades podem ingressar com uma representação judiciária na vara da infância, ou então encaminhar o caso para o Ministério Público. Em geral, o MP determina que a criança deve entrar na escola, sob pena de multa diária [imposta pelo magistrado]”, conta.

Como entrar na faculdade sem ter estudado em escola?

Para ingressar no ensino superior, é preciso apresentar o certificado de conclusão do ensino médio.

Se o “homeschooling” for regulamentado, estes alunos poderão participar de processos seletivos como os demais.

Enquanto isto não acontece, nas famílias que praticam a educação domiciliar, o estudante costuma fazer o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), uma prova aplicada anualmente que cobra conteúdos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

É semelhante ao antigo supletivo: voltada para alunos que não se formaram na idade adequada e que desejam obter o diploma de ensino fundamental ou ensino médio.

O aluno precisa ter, no mínimo, 18 anos para prestar o exame e obter o certificado da última etapa escolar (ou 15 anos, para o fundamental).

Até 2016, era possível usar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para conseguir o diploma. Foi o caso de Luana. Ela fez a prova e conseguiu prestar vestibular mesmo sem ter frequentado a escola. Depois, fez faculdade de design gráfico e MBA em marketing digital. Atualmente, mora nos Estados Unidos e trabalha como gerente em uma empresa de Chicago.

A educação domiciliar substituiria a tradicional?

Os defensores da educação domiciliar afirmam que a escola tradicional deve continuar existindo, desde que as famílias tenham liberdade para escolher se querem matricular seus filhos ou se preferem educá-los em casa.

“A educação domiciliar, onde é regulamentada, é seguida por um número pequeno de crianças. Colocar uma modalidade como conflitante à outra é algo que não procede”, afirma Vasconcelos.

Telma Vinha, da Unicamp, reforça a importância da escola tradicional como uma instituição obrigatória. “Não estou defendendo a escola pública sucateada, com professores desvalorizados. Mas ela precisa ser fortalecida, em vez de pensarmos em soluções individuais. Ela nos constitui como sociedade.”

Qualquer família conseguiria seguir a educação domiciliar?

Durante toda a vida escolar de Luana, Laura trabalhava em casa, como tradutora. Conseguia acompanhar de perto os estudos da menina.

Depois, quando sua outra filha, mais nova, completou 12 anos, a rotina da família mudou. A mãe não conseguia mais se dedicar à educação domiciliar, então matriculou a caçula em uma escola regular.

“[O ‘homeschooling’] não é um modelo elitista, como dizem, porque há muitos seguidores de classe média”, afirma Laura. “Mas é muito difícil para mãe ou pai solteiros, ou para famílias sem capital cultural.”

Para Andrade, o “homeschooling” não cabe a todos. “O Estado teria de estabelecer quais famílias teriam condições de praticar a educação domiciliar, para a criança não ficar submetida a um abandono intelectual”, diz o advogado.

“Se não tiver acesso à tecnologia ou se pais não forem alfabetizados, por enquanto, o aluno vai frequentar a escola em período integral. [Regularizar o ensino domiciliar] não muda nada para ele.”

Como a educação domiciliar funciona em outros países?

A educação domiciliar é permitida em mais de 60 países, como África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Estados Unidos, Canadá, Colômbia, Chile, Equador, Paraguai, Portugal, França, Itália, Reino Unido, Suíça, Áustria, Finlândia, Noruega e Rússia.

Nos EUA, por exemplo, segundo o Centro Nacional de Estatísticas de Educação, em 1999, apenas 1,7% das crianças e jovens até 17 anos eram praticantes do “homeschooling”. Em 2016, o índice saltou para 3,3% – mas ainda representava uma minoria.

Para Vasconcelos, não faz sentido alegar, na defesa do “homeschooling” no Brasil, que outros países já permitiram o modelo. “A questão é de tempo histórico. É hora de nós pensarmos em regulamentação domiciliar ou de investirmos na escolarização universal?”, questiona.

Ela destaca também a necessidade de adaptar as normas à realidade brasileira – sem importar modelos do exterior. “Precisamos da nossa própria forma de como trabalhar a questão, de como lidar com isso nos diferentes estados.”

* Os nomes verdadeiros foram trocados por fictícios, a pedido das entrevistadas.

Foto em Destaque: Arquivo pessoal / Legenda – Arthur, de 13 anos, era educado pelos pais em casa. Depois de pressão da Justiça, família o matriculou na escola regular.
Fonte: G1

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