Há mais de um ano, uma empresa de montagem de eventos de Minas começou uma parceria com a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap), com o objetivo de empregar detentos de duas unidades prisionais de Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Atualmente, 30 internos do sistema prisional compõem o quadro de funcionários da LS Pro. Ao longo da parceria, no entanto, 70 presos já prestaram serviços para a empresa. Hoje, o quantitativo de internos do sistema prisional representa um quarto do quadro total de colaboradores.
A cooperação deu tão certo que a empresa foi uma das primeiras a ganhar o Selo Resgata, do Ministério da Justiça, certificação nacional concedida àqueles que contratam mão de obra prisional.
Responsabilidade social
Outro destaque da parceria é a contratação de uma egressa transexual. A empresa figura como a primeira a dar oportunidade profissional para este público de egressos.
Para o superintendente interino de Trabalho e Produção da Seap, Felipe Oliveira Simões, este é o retrato do resgate da dignidade e autoestima dos presos. “A contratação de uma pessoa trans reduz a transfobia e a discriminação, infelizmente ainda presentes na sociedade e na própria família. Trata-se de um público bastante estigmatizado e em situação de vulnerabilidade, e essa contratação completa o ciclo de ressocialização, com o retorno à sociedade de uma pessoa melhor”, pontua Simões.
Os presos trabalham em diversas atividades como serralheria, marcenaria, pintura, montagem de estruturas e carregamento de caminhões. Segundo a coordenadora geral da empresa, Alice Carvalho, um dos pontos levados em consideração para a instituição da parceria foi a proximidade da fábrica com as unidades prisionais de Neves.
“Para a empresa, a parceria com a Seap é muito positiva. Além de todos os incentivos fiscais, o que é excelente para nós, vimos nesse trabalhador a oportunidade de realizar uma ação social. Eles têm uma vontade de trabalhar e lutam por isso, sempre estão tentando melhorar. Acho que ainda há preconceito por parte dos empresários simplesmente por eles não conhecerem essa possibilidade direito. Os benefícios são muito maiores do que o investimento”, afirma Alice.
Mudança de vida
Bárbara Côrrea, 29 anos, já foi presa sete vezes. Desde a infância era uma ‘garota problemática’ e, na adolescência, foi detida pela primeira vez. Foi condenada a 18 anos de detenção. Não carregava esperança ou perspectiva de uma vida melhor. Por ser transexual e com várias passagens pela polícia, o mercado de trabalho era algo praticamente impossível para ela. Segundo Bárbara, as portas sempre lhe eram fechadas e a necessidade de sobreviver fez com que ela entrasse para o mundo do crime.
Por coincidência, acabou sendo transferida para o Presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves. No regime semiaberto, se candidatou para o trabalho e foi uma das primeiras selecionadas para a parceira com a LS Pro.
“Quando cheguei na empresa, eu não tinha expectativa nenhuma de sair do crime. Eu não tinha a mente que tenho hoje e também não tinha dimensão do tamanho da LS e nem da minha capacidade de ressocialização”, conta Bárbara. Seu primeiro trabalho na empresa foi na limpeza e cuidado das plantas. Aos poucos, foi ganhando a confiança dos chefes e se destacando no trabalho. É o que conta a coordenadora geral, Alice Carvalho.
“Vimos nela o que precisávamos, muito na questão da organização. Ela tinha um carinho muito grande pela empresa, zelava pela estrutura e tinha uma liderança perante os outros presos e funcionários. Ela botava a mão na massa mesmo, chamava a atenção e mantinha a organização no galpão”, observa.
Quando recebeu seu alvará de soltura, foi convidada a continuar trabalhando na empresa e, pela primeira vez, teve a carteira de trabalho assinada. Agora, Bárbara é auxiliar de conferente de qualidade de evento e gerente da equipe de internos. O cargo já lhe permitiu viajar para vários lugares do país.
“Hoje, sou alguém e tenho sonhos. Descobri em mim a capacidade de mudar minha vida quando ganhei essa oportunidade. O meu orgulho é acordar todo dia cedo e saber que eu tenho de chegar à empresa e bater o meu cartão. Fui muito bem acolhida, como se eu tivesse em casa, e isso também ajudou na minha ressocialização. Comecei a me ver de outra forma e a mostrar para mim mesmo que eu era capaz”, afirma Bárbara.
O emprego também lhe deu a oportunidade de cuidar da família. Ela mora com o pai de 75 anos e é o sustento da casa. Duas barreiras foram vencidas, o preconceito por ser transexual e ex-presidiária. Mas Bárbara quer mais: pretende estudar e se aperfeiçoar ainda mais na profissão.
Fonte: Hoje em Dia