Do rádio de pilha à câmera de celular: como o Japão se tornou referência em tecnologia de áudio e imagem

As Olimpíadas de Tóquio chamam atenção para a tradição do Japão, mas também para a tecnologia do país. Foi de lá que surgiram diversas inovações que ganharam o mundo.

Na área de áudio, por exemplo, há invenções como o walkman e o CD. No setor de vídeo, o país está ligado à criação do VHS e do DVD. Há ainda a tradição japonesa na fotografia.

Boa parte das criações surgiu décadas após a Segunda Guerra Mundial, encerrada em 1945. O período após o conflito marca uma reconstrução da indústria japonesa. Apesar disso, a relação do país com a tecnologia vem de alguns anos antes.

O professor Marcelo Zuffo, coordenador do Centro Interdisciplinar de Tecnologias Interativas da Universidade de São Paulo (USP), aponta que o Japão já desenvolvia suas primeiras televisões antes da guerra.

“A história da TV na Ásia foi concomitante com a história ocidental. Os japoneses foram muito pioneiros em transmissões de TV ainda nas décadas de 30 e 40”, afirma.

Ele aponta, no entanto, que um dos momentos mais importantes para o país se tornar o que é hoje foi a invenção do transistor, usado para controlar a corrente elétrica em circuitos eletrônicos.

Criado em 1946 pela empresa americana de pesquisa Bell Labs, o transistor foi um avanço em relação aos aparelhos a válvula, como rádios, que eram maiores e consumiam mais energia. Com a nova solução, os aparelhos ficaram mais portáteis e puderam adotar pilhas em vez de tomadas.

Zuffo diz que o cofundador da Sony, Akio Morita, percebeu que os japoneses eram aficionados pelo rádio transistorizado, o famoso rádio de pilha. Segundo o professor, isso levou o executivo a licenciar a patente do transistor junto à Bell Labs para criar o rádio na sua empresa.

“A Sony virou a Sony fazendo radinho transistorizado”, resume Zuffo.

Japão é responsável por grandes inovações de tecnologia — Foto: Divulgação/Kyocera/Morio/Wikimedia Commons/Steve Sims/Wikimedia Commons/Yoshikazu Takada/Flickr/ Jeremy Zero/Unsplash

A invenção do VHS

Anos depois, dois padrões de vídeo inventados no Japão disputaram a preferência dos consumidores: VHS e Betamax. Como sabemos hoje, o primeiro, lançado em 1976, superou o rival, criado em 1975.

VHS venceu disputa de padrões de vídeo — Foto: Jeremy Zero/Unsplash

VHS venceu disputa de padrões de vídeo — Foto: Jeremy Zero/Unsplash

Segundo Edson Watanabe, professor de engenharia elétrica do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Betamax era melhor que o VHS em termos técnicos. Porém, a disputa pendeu para o outro lado por conta de uma decisão de sua criadora.

“O VHS era da empresa JVC, que abriu a patente. Quem quisesse fazer, podia. E a Sony [criadora do Betamax] estava segurando porque ela queria ganhar dinheiro também com a patente”, explica.

Com o passar dos anos, o padrão de fita magnética perdeu espaço para o disco óptico. O CD foi lançado ao público em 1982, pela japonesa Sony e a holandesa Philips.

A Toshiba e a Panasonic, outras duas empresas japonesas, também contribuíram para o desenvolvimento do DVD, apresentado em 1996.

“Quando fizeram o CD, era um negócio gigantesco, colocar 700 MB num disquinho. Mas o pessoal viu que para um bom filme, você precisava de mais, de uns 4 GB. Depois, inventaram o DVD”, lembra Watanabe.

O surgimento do walkman

Do Japão, também veio o walkman, o tocador portátil que permite ouvir fitas cassete. A Sony, que o comercializou de 1979 a 2010, afirma ter vendido 385 milhões de unidades do aparelho.

Durante o desenvolvimento do produto, executivos da empresa acreditavam que ele não deveria levar esse nome. Uma das alternativas consideradas foi “disco jogger”, em uma tentativa de atrair consumidores com dois termos que eram muito populares à época.

Walkman — Foto: Yoshikazu Takada/Flickr

Walkman — Foto: Yoshikazu Takada/Flickr

Morita, então presidente da Sony, vetou a proposta, mas as unidades da empresa em outros países adotaram o nome “soundabout”. O walkman só foi escolhido como nome global do aparelho em 1980, quando o termo se tornou conhecido nos demais locais por conta de turistas que visitavam o Japão.

Para Tiago Tavares, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Universidade de Campinas (Unicamp), a importância do Japão na tecnologia de música não se restringe aos tocadores.

Segundo ele, o país também contribuiu com mudanças em instrumentos musicais. Um dos exemplos é o da Yamaha, que licenciou a patente da síntese FM, um tipo de sonoridade criada por um professor da Universidade de Stanford.

Sintetizador Yamaha DX7 — Foto: Steve Sims/Wikimedia Commons

Sintetizador Yamaha DX7 — Foto: Steve Sims/Wikimedia Commons

“Por um tempo, essa foi uma das patentes mais lucrativas da história de Stanford”, diz. “Isso também foi uma coisa que a Yamaha botou em muitos teclados e ficou tão patente que virou o som típico dos anos 80”.

Essa sonoridade pode ser observada em faixas clássicas da década, como “Take On Me”, da banda norueguesa A-ha, e “The Final Countdown”, da banda sueca Europe.

Da câmera analógica ao celular

O Japão tem uma ligação de mais de um século com câmeras fotográficas. O primeiro modelo japonês voltado ao consumidor comum foi a Cherry, lançada em 1903 pela Konica.

Basicamente, a máquina usava a tecnologia desenvolvida na Europa e nos Estados Unidos. Porém, por ter preço mais acessível que os modelos importados, ela logo ganhou espaço entre os consumidores japoneses.

Para Fernando Pereira, fotógrafo, jornalista e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, a cultura do Japão contribuiu para o país se tornar um importante centro na área da fotografia.

“A expressão da cultura japonesa é mais visual que verbal. Exemplo maior são os ideogramas: um símbolo, muitas vezes, contém não só uma palavra, mas uma ideia inteira. Outro exemplo são os mangás, contar histórias com mais desenhos do que texto”, explica.

Kwanon foi o primeiro protótipo de câmera criado pela Canon — Foto: Morio/Wikimedia Commons

Kwanon foi o primeiro protótipo de câmera criado pela Canon — Foto: Morio/Wikimedia Commons

Nos anos seguintes, surgem empresas como Canon, Nikon e Olympus, que lançam suas primeiras câmeras, ainda analógicas e mais avançadas para a época, nas décadas de 1930 e 1940.

A Canon criou o protótipo de sua primeira câmera, batizada de Kwanon, em 1934. Porém, o primeiro modelo a ser produzido para os consumidores foi a Hansa Canon, lançada em 1936.

No mesmo ano, era lançada a primeira câmera da Olympus. A fabricante afirma que a Semi-Olympus, um modelo de alto padrão, era vendida 103 ienes, período em que o salário mínimo japonês era de 75 ienes.

O grande salto da indústria fotográfica japonesa acontece após a Segunda Guerra. A Nikon, por exemplo, cria a Model I, sua primeira câmera, em 1948.

“Os EUA deram aporte financeiro ao Japão, como recuperação aos danos causados pelo conflito, e a indústria de equipamentos ópticos e fotográficos recebeu incentivos”, diz Pereira.

Na década de 1970, a indústria fotográfica japonesa avançou novamente com o aprimoramento da óptica e da eletrônica, o que permitiu uma melhoria na qualidade das câmeras.

Visual Phone VP-210 é o primeiro celular com câmera — Foto: Divulgação/Kyocera

Visual Phone VP-210 é o primeiro celular com câmera — Foto: Divulgação/Kyocera

Mais tarde, esses dispositivos se integraram com os celulares. Em 1999, a japonesa Kyocera lançou o primeiro celular com câmera. O Visual Phone VP-210 era capaz de armazenar 20 imagens em sua memória e enviá-las por e-mail.

O dispositivo também permitia enviar fotos em tempo real durante ligações, mas a capacidade estava longe das chamadas de vídeo atuais. Segundo a fabricante, a tela de duas polegadas do VP-210 podia exibir apenas duas fotos por segundo.

O Japão hoje

Nos últimos anos, o Japão ganhou uma concorrência maior de China e Coreia do Sul, em especial nos mercados de smartphones e televisões. Ao mesmo tempo, os japoneses têm investido em outras áreas.

Uma delas é a de baterias. O objetivo dos pesquisadores é criar soluções que ofereçam energia por mais tempo e com dispositivos menores.

“Eles estão saindo dessas tecnologias de lítio e migrando para outros materiais. Primeiro, porque o lítio é raro. Além de ser raro, é tóxico e tem uma série de problemas ambientais”, destaca Jorge Tomioka, professor do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do ABC (UFABC).

O professor explica que a ideia é adotar outros materiais, como o magnésio. Segundo ele, a mudança poderá fazer, por exemplo, com que a bateria de um celular dure uma semana. Se conseguir avançar nessa empreitada, o Japão poderá se tornar ainda mais importante no futuro dos eletrônicos.

Fonte: G1

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