Introdução
Neste mês de setembro de 2018 estão sendo celebrados os 50 (cinquenta) anos do lançamento da pedra fundamental do Polo Industrial de Manaus – PIM. Talvez esse seja um momento propício para refletirmos sobre o nosso principal modelo de desenvolvimento.
Um bom ponto de partida pode ser a avaliação do que construímos ao longo desse período e a prospecção dos imensos desafios que estão por vir, considerando-se os cenários de concorrência global e o enorme avanço tecnológico que tem rompido paradigmas nos relacionamentos sociais, econômicos e entre os países.
Nunca se falou, escreveu, discutiu ou teorizou tanto sobre globalização, abertura de mercados e fronteiras, impacto dos avanços tecnológicos e comércio internacional como nesses últimos anos. Mas nunca houve, também, tanto receio do novo, do imponderável, que pode trazer a prosperidade ou a debacle. E de debacle o Amazonas entende! Ou deveria entender. É só lembrar o fim do ciclo da borracha, no início do século XX. Óbvio, evidentemente, que não é isso que se deseja novamente.
Para estabelecer o desenvolvimento social e econômico, sustentável tanto quanto possível, e mitigar ou evitar riscos, é preciso planejar o futuro. Utilizar o aprendizado das lições e criar cenários são, sempre, bons caminhos para avançar de maneira segura. Para isso é necessário conhecer a história.
Embora muitas ressalvas possam ser feitas com relação ao modelo industrial desenvolvido em Manaus, não se pode deixar de reconhecer que inúmeros benefícios também foram colhidos não apenas pela região, mas, também, pelo País.
Não me refiro apenas àqueles atribuídos à preservação ambiental, reconhecidamente um benefício adicional aos objetivos originais do Decreto Lei no 288 que criou a Zona Franca de Manaus, mas à implantação de um segmento industrial complexo e que permite ao Brasil o consumo de bens de entretenimento praticamente similares aos produtos negociados em mercados de países ditos desenvolvidos.
Este texto não tem a pretensão de discutir a origem da Zona Franca de Manaus ou de historia-la. Embora a literatura não seja vasta, há, no entanto, um razoável conjunto de documentos que permitem aos interessados sobre o tema, realizar uma leitura adequada sobre o assunto.
Para que possamos entender um pouco a evolução do PIM, este texto apresenta, à luz das experiências que vivi e dos textos encontrados na literatura, aquelas mais que estes, uma proposta que estabelece ciclos que o foram moldando até sua configuração atual.
Desconheço haver uma definição consagrada dos ciclos do PIM. A definição apresentada ao longo dos textos é, portanto, de exclusiva responsabilidade deste autor. Pode e deve ser contestada, evidentemente. O texto está sendo apresentado para ser discutido.
Os ciclos foram construídos a partir de eventos que considerei como marcos para o direcionamento das atividades industriais.
Foram considerados como marcos (i) alguma alteração significativa estabelecida por políticas públicas, industriais ou econômicas ou (ii) a quebra de paradigmas tecnológicos.
Os ciclos foram segmentados por intervalos de tempo não uniformes e neles são descritos (i) as características que definiram o período e (ii) as principais ações de políticas públicas visando o desenvolvimento de recursos humanos e das atividades de ciência, tecnologia e inovação – C&T&I.
Para não tornar a leitura cansativa, este texto foi dividido em 7 (sete) capítulos. Os 2 (dois) primeiros fazem uma breve introdução sobre o objetivo do texto e apresentam um breve histórico do PIM e de seus desafios. Os demais capítulos descrevem os ciclos de acordo com a metodologia descrita anteriormente.
No último capítulo, este texto pretende identificar e discutir os novos desafios que teremos pela frente, considerando-se o cenário cada vez mais complexo que a revolução industrial 4.0, ou manufatura avançada (termos que denominam a inexorável digitalização dos meios de produção), causará nas empresas, desdobrando-se nos sistemas econômicos e sociais.
Esse assunto é tão importante para países como a Alemanha, a ponto da Primeira Ministra Angela Merkel afirmar que “a Indústria 4.0 é a transformação completa de toda a esfera da produção industrial através da fusão da tecnologia digital e da internet com a indústria convencional”.
Segundo o Presidente do Fórum Mundial de Davos, Professor Klaus Schwab, “as mudanças são tão profundas que, da perspectiva da história humana, nunca houve um momento de maior promessa ou potencial perigo”. O Professor Klaus referia-se às questões do desafio do desemprego tecnológico e da desigualdade social.
Essas mudanças atingem em cheio o nosso PIM. Devemos, portanto, trata-las com atenção, mas com a confiança de que oportunidades também surgirão.
Conteúdos sobre indústria 4.0 já estão bastante disseminados. São encontrados em revistas semanais, nos jornais, na internet, em livros. Neste texto utilizarei alguns conceitos básicos apenas como preâmbulo, por duas razões: (i) por ser uma cidade industrial, Manaus está no epicentro dessas mudanças e suas indústrias serão impactadas, cedo ou tarde, pelas tecnologias digitais, e (ii) o PIM abriga várias indústrias fabricantes de produtos de informática que suportam boa parte da tecnologia digital.
Com políticas públicas adequadas, Manaus pode participar como protagonista do processo de implantação da manufatura avançada, no Brasil.
Não bastasse o enorme impacto que as novas formas de produção estão produzindo nas empresas e, portanto, na sociedade, outros fatores terão influência direta na economia do Amazonas: a ampliação das pressões contra o modelo ZFM e as mudanças no cenário do comércio global.
Esses temas não serão abordados diretamente neste texto porque exigem tratativas específicas que não são o ponto central do que estou propondo discutir. Mas, indiretamente, estarão presentes quando políticas públicas descritas nos diversos ciclos forem analisadas.
Breve Histórico
Como registro histórico, a Beta S.A. Indústria e Comércio, que atuava no setor joalheiro, foi a empresa pioneira a ser instalar em Manaus, em 1968. A partir daí o PIM foi se expandindo gradativamente, passando por diversos ciclos até chegar ao seu estágio atual.
Historicamente, o PIM abriga empresas cujos produtos embutem elevado conteúdo tecnológico. São, em geral, multinacionais que possuem interesses e planejamentos em escala mundial. Especialmente nas últimas três décadas esse processo foi acelerado.
Na minha forma de ver, o avanço da implantação de empresas multinacionais no PIM, substituindo as de capital nacional como a Gradiente e a Sharp, por exemplo, foi acelerado a partir da transição do sistema analógico para o digital e de um processo denominado de convergência digital, que tem aproximado, por exemplo, as funcionalidades dos aparelhos de televisão e dos computadores.
Muitos paradigmas foram quebrados com a digitalização intensiva. Acompanhar a evolução tecnológica de produtos intensivos em tecnologia digital exige investimentos elevados em pesquisa e desenvolvimento – P&D. Isso, em boa parte, explica porque as empresas multinacionais foram ocupando os espaços das empresas brasileiras no PIM.
Ainda existe uma outra palavrinha para tornar mais complexos os nossos entendimentos sobre o assunto: inovação. A sigla se torna, então, P&D&I.
Na verdade, inovar representa a sobrevivência das empresas e nesse quesito sabemos que o Brasil não é um país com bons indicadores, ressalvando-se algumas atividades como o agronegócio e as indústrias aeronáutica e do petróleo, por exemplo.
Perdemos o bonde da tecnologia digital quando não conseguimos acompanhar os avanços da microeletrônica, ou da miniaturização dos circuitos eletrônicos que os tornaram menores e mais baratos, reduzindo os pesos dos produtos e ampliando as suas funcionalidades e aplicações. Quando digo que perdemos o bonde da tecnologia digital, refiro-me à questão do hardware, ou dos circuitos eletrônicos.
Em termos de desenvolvimento de software, no entanto, os brasileiros são muito bons, equiparando-se aos melhores desenvolvedores do mundo. Isso representa uma ótima oportunidade para o Brasil, e em especial para o Amazonas.
Os telefones celulares representam um dos melhores exemplos para entendimento do avanço propiciado pela redução do tamanho dos circuitos eletrônicos. A miniaturização e a ampliação da capacidade de processamentos desses dispositivos, possibilitaram a realização de tarefas que apenas os computadores conseguiam processar.
Dessa forma, outras mídias, como vídeos e mensagens, passaram a ser utilizadas pelos telefones celulares.
Até os anos 2000, utilizávamos mais tempo falando que transmitindo dados. Atualmente é o inverso. Essa é a tendência. Talvez um belo dia conheceremos por outro nome os telefones celulares.
Depreende-se, portanto, que o avanço tecnológico está alterando profundamente o perfil do PIM. Muitas empresas têm perdido a sua capacidade competitiva e fecham ou mudam de segmento industrial. É só lembrar o impacto sofrido pelas indústrias que produzem máquinas fotográficas, ou pelas empresas de máquinas copiadoras, por exemplo.
As empresas do Polo Relojeiro estão se readequando e não podemos esquecer que esse setor já foi um dos maiores do PIM. Mas, como eu disse anteriormente, está tendo que se reinventar. Quantas pessoas, por exemplo, veem as horas no telefone celular, embora tenham relógio?
E o setor de plásticos? Com a redução do uso dessa matéria prima nas televisões, originada pela troca dos televisores de tubo pelas televisões de tela plana, outro grande impacto ocorreu nas empresas do PIM.
As mudanças continuarão. Paradigmas são quebrados e governos e empresas buscam alternativas para que, no caso de Manaus, não se percam as condições de competitividade do modelo ZFM. Percebe-se, assim, o grau de complexidade e dificuldade que os gestores públicos e privados enfrentam para manter Manaus na rota dos investimentos, especialmente nos segmentos industriais que a cidade abriga.
Os tempos são outros. A impressão é de que o tempo está passando mais rápido. Está tudo interligado, conectado. E com as redes de telecomunicações nos aproximando, o que parecia longe agora parece muito perto.
No próximo Capítulo será abordado o primeiro ciclo do PIM. A periodicidade de publicação dos artigos será definida de acordo com a conveniência do site que abrigará os textos.
De minha parte, espero que essa discussão atraia o interesse daqueles que estão preocupados com o desenvolvimento de nossa região e que buscam encontrar novos caminhos à luz da experiência adquirida nos 50 (cinquenta) anos de atividades industriais em Manaus.
Espero, também, que o texto seja questionado, criticado, corrigido e ampliado, para que novos conhecimentos e informações enriqueçam seu conteúdo. E que seja útil para os leitores.