Contratar refugiados pode ser um bom negócio. Saiba por que

O Brasil tem mais de 10 mil refugiados e 178 mil pessoas que aguardam o reconhecimento dessa situação. Contratar um deles, além de ser uma atitude inclusiva, evidencia boas práticas de responsabilidade social e gera valor para a empresa. Mas essa iniciativa, infelizmente, pode esbarrar no preconceito e no desconhecimento das leis que regulam o tema.

Todo refugiado — ou estrangeiro que formalizou o pedido de refúgio — tem assegurado o direito de trabalhar legalmente no Brasil.

Diante da chance de reconstruir a vida no país, eles costumam demonstrar alto grau de motivaçãoe esforço para entrar no mercado — seja como empregado ou como empreendedor. “Muitos têm formação especializada, pós-graduação e falam vários idiomas”, afirma Carlo Pereira, secretário-executivo da Rede Brasil do Pacto Global da ONU.

Ainda assim, muitos profissionais de RH têm uma visão distorcida da situação, segundo a pesquisa Caminhos para o Refúgio, da Universidade de Brasília (UnB). O estudo revela que 47,8% dos profissionais da área acreditam que colegas evitam contratar refugiados por medo de autuações do Ministério do Trabalho. O que a grande maioria (91,2%) não sabe é que essa contratação é igual à de todos os brasileiros. “Não existe nenhum risco jurídico para o negócio”, diz João Marques, presidente da EMDOC (consultoria de mobilidade global) e idealizador do PARR (Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados). Além disso, 64,7% dos entrevistados acreditam que refugiados sejam sempre imigrantes muito empobrecidos.

Esse tipo de desconhecimento é só uma das barreiras enfrentadas por esses recém-chegados, que precisam lidar ainda com desafios linguísticos e culturais, além de preconceito por parte das instituições financeiras. Nas páginas a seguir, conheça todos os detalhes sobre a contratação de refugiados no Brasil. E saiba ainda o que eles precisam fazer para abrir um negócio no país.-

Como Fazer - Refugiados (Foto: Ilustração: Marcelo Calenda)

RECRUTAMENTO E SELEÇÃO

No processo seletivo, alguns obstáculos para a contratação de refugiados podem ser contornados facilmente. Para não perder boas oportunidades, vale flexibilizar as normas em relação à escolaridade e à língua

Trabalhe com diferentes idiomas
Não dominar totalmente o português (especialmente na escrita) não é necessariamente um motivo para descartar a contratação de um refugiado. “Reflita sobre quão imprescindível o idioma é para a vaga”, diz Danielle Pieroni, diretora de operações da Fox Time Recursos Humanos.

Entender o básico pode ser suficiente para funções como digitalizar documentos, fotografar eventos ou executar atividades operacionais. Além disso, a fluência em outros idiomas pode representar um diferencial para algumas empresas.

Seja flexível com diplomas
Parte dos refugiados com formação acadêmica tem dificuldades para comprová-la — seja por não ter a documentação, por não existir equivalência do curso ou pelo custo da validação, que pode chegar a R$ 5 mil. Mais do que exigir diplomas, tente entender se o conhecimento e a experiência que o profissional afirma ter atendem às demandas do negócio. “Se necessário, aplique testes específicos”, diz João Marques, do PARR.

Valorize aspectos comportamentais
Avalie o grau de engajamento, dedicação e comprometimento do refugiado. “Em geral, eles se tornam funcionários que não faltam ao trabalho, se esforçam e são gratos pela oportunidade de reescrever sua história”, afirma Danielle. Vale conversar com outros empreendedores que contrataram refugiados. “Confira se estão satisfeitos, se a presença desses profissionais é bem-aceita e como eles impactam o ambiente de trabalho”, completa Marques.

Como Fazer - Refugiados (Foto: Ilustração: Marcelo Calenda)

CONTRATAÇÃO

Refugiados e estrangeiros que solicitaram o refúgio podem ser contratados por qualquerempresa a partir domomento em que o pedido é formalizado na Polícia Federal.Isso porque, no mesmo dia, eles recebem um protocolo do pedido de refúgio, um número de CPF e uma carteira de trabalho.

Encaixe o profissional na função certa
Carreiras que exigem registro profissional (como arquitetura, engenharia, psicologia e outras) não podem ser ocupadas por refugiados — a menos que o diploma seja validado por uma universidade brasileira.

Entretanto, eles podem ser contratados como técnicos ou assistentes. “É comum admiti-los para cargos de menor responsabilidade e, à medida que comprovem experiência, realocá-los para que gerem maior valor para a empresa”, afirma Danielle, da Fox Time.

Não exija todas as formalidades
Na hora de reunir a documentação do funcionário, alguns itens podem faltar. Por exemplo, o comprovante de residência dos solicitantes de refúgio, que normalmente se hospedam em pensões ou casa de amigos ao chegar ao Brasil. Outro exemplo é a certidão de nascimento dos filhos, que pode ser substituída pelos respectivos protocolos de pedido de refúgio ou RNEs, para dar acesso ao salário-família.

Fique atento aos prazos
O processo de contratação de um refugiado ou solicitante de refúgio é idêntico ao de um brasileiro e não gera nenhum ônus adicional. “O único cuidado que se deve ter é com a validade do protocolo do solicitante de refúgio e de sua carteira de trabalho, cujas renovações devem ser feitas anualmente — antes do vencimento — na Polícia Federal”, afirma Danielle, da Fox Time. Os dois documentos podem ser renovados no mesmo dia.

Facilite a conversa com o banco
Com o protocolo do pedido de refúgio ou o RNE, o refugiado tem direito a abrir uma conta no banco. O problema é que muitas instituições desconhecem a validade desse protocolo e acabam dificultando os trâmites. Para agilizar, faça uma carta de recomendação do novo funcionário à agência onde a empresa tem conta e apresente a legislação ao gerente.

Ofereça uma remuneração justa
Ao contratar um refugiado, pague sempre um salário compatível com a média de mercado para aquela função. “Um erro comum é contratar alguém com qualificações superiores à vaga e depois atribuir-lhe funções de maior responsabilidade sem remunerá-lo por isso”, diz Danielle. Um eventual desvio de função significa o risco de processos trabalhistas.

Como Fazer - Refugiados (Foto: Ilustração: Marcelo Calenda)

INTEGRAÇÃO

A ambientação dos refugiados no novo ambiente de trabalho começa antes mesmo de sua chegada à empresa. “É preciso criar uma cultura humanitária e pró-diversidade dentro do empreendimento”, afirma Marques, do PARR.

Envolva os funcionários
Invista em atividades de sensibilização, que ajudem a equipe a entender o que é viver na condição de refugiado, por que eles vêm ao Brasil e quais as suas possíveis limitações no dia a dia. “É um ótimo momento para abrir a mente das pessoas, ajudá-las a amadurecer e compreender que os refugiados fazem parte da nossa sociedade. Assim, poderão identificar os ganhos culturais que eles trazem ao negócio e ao país”, diz Marques.

Aponte as vantagens
Algumas pessoas ainda acham que imigrantes colocam em risco seus empregos. Esclareça por que você investiu na inclusão de refugiados. “As razões podem ser diversas. Vão desde uma qualificação que não se encontra facilmente no mercado até a necessidade de internalizar uma nova cultura e idioma na empresa, ou mesmo aumentar a representatividade social no ambiente de trabalho”, afirma Pereira, do Pacto Global.

Propicie um clima agradável
Identifique os funcionários que, por afinidade, gostariam de ajudar o refugiado em seu período de adaptação. “Não precisa necessariamente ser um programa estruturado. A ideia é estar à disposição para ajudá-lo, assim como tirar dúvidas sobre assuntos do trabalho e da vida no Brasil”, explica Danielle.

Favoreça o diálogo
Choques culturais podem ser evitados ou resolvidos quando existe espaço para o diálogo no trabalho. “Promova situações em que o refugiado possa falar sobre sua cultura, tradição, religião, forma de lidar com situações cotidianas e outros temas que deem voz ao novo funcionário”, afirma Pereira.

Revisite o código de ética
As normas de conduta da empresa precisam incluir tópicos específicos sobre direitos humanos e trabalho digno. “Além disso, ele deve abordar temas como contratação legalizada, combate à xenofobia e todo tipo de preconceito e promoção da equidade de gênero”, diz Danielle.

Como Fazer - Refugiados (Foto: Ilustração: Marcelo Calenda)

EMPREENDEDORISMO

Para muitos refugiados, abrir o próprio negócio é a melhor maneira de reconstruir a vida no Brasil. “A cultura da persistência pode fazer deles ótimos donos de empresas”, diz Marques, da EMDOC. A opção exige esforço, pesquisa e capacidade de adaptação à economia local.

Pesquise o mercado
Se você chegou ao Brasil e pensa em empreender, tenha a certeza de que compreende bem o produto que quer oferecer, assim como as regras e licenças necessárias para a sua fabricação, comercialização e uso no país. Identifique os insumos, fornecedores e custos envolvidos na sua produção. Estude as características dos consumidores locais.

Tropicalize as ideias
Adapte seu produto à cultura, demanda e linguagem do país. Se preciso, faça mudanças nos insumos, para que o custo não prejudique a margem do negócio. Nesse caso, busque alternativas similares ou faça substituições — por exemplo, no caso de uma receita que leve ingredientes típicos do país do refugiado, mas difíceis de encontrar no Brasil.

Busque assessoria
Pode ser uma boa ideia contratar um consultor financeiro, para aprender as especificidades da gestão de negócios no Brasil. “Aprenda sobre meios de pagamento, taxas bancárias, carga tributária, leis trabalhistas, projeção de vendas e outros temas úteis”, diz Marques. Voluntários da Cáritas Arquidiocesana e do PARR prestam esse tipo de assessoria de forma gratuita.

Drible a desinformação
A burocracia que o refugiado e o brasileiro enfrentam é a mesma, mas com algumas nuances. Muitos órgãos e agentes públicos e privados — inclusive bancos — desconsideram o protocolo de solicitação de refúgio como um documento oficial. Nessas horas, o melhor a fazer é recorrer às redes de apoio, como Acnur, Instituto Migrações e Direitos Humanos, PARR e Cáritas Arquidiocesana, para se municiar de informações com base na legislação.

Formalize-se
A maioria dos refugiados inicia suas atividades como pessoa física e depois vira MEI (Microempreendedor Individual). “É um jeito mais fácil e prático de crescer de forma sustentável”, afirma Marques. A formalização facilita a abertura de conta bancária e cria um relacionamento com o banco, o que mais tarde abre portas para o acesso a crédito.

REDE DE APOIO

No Brasil, diversas organizações apoiam o empreendedor na hora de recrutar, selecionar e contratar um refugiado. Conheça algumas

Missão Paz
A iniciativa promove palestras para empregadores compreenderem os direitos dos refugiados e desconstruírem mitos e estereótipos ligados a essa população. Voluntários fazem mediação e tradução nas entrevistas de recrutamento.
trabalho@missaonspaz.org

PARR (Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados)
Dispõe de uma plataforma de busca de emprego voltada exclusivamente a refugiados, com vagas em mais de 300 negócios que abraçam a causa humanitária (refugiadosnobrasil.org). O programa — criado pela EMDOC, com apoio da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo e Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) — também dá assessoria gratuita às empresas durante os primeiros 90 dias de integração desses profissionais.
parr@emdoc.com

Empoderando Refugiadas
Realiza encontros mensais com refugiadas para abordar temas como mercado de trabalho, empreendedorismo, direitos trabalhistas e cultura brasileira. Também oferece sessões de coaching e faz a ponte com empresas para entrevistas de emprego. É coordenado por Pacto Global, Acnur e ONU Mulheres.
pacto.global@undp.org

Fonte: PEGN

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