No universo da tecnologia da informação (TI), as áreas de cientista e engenheiro de dados são as atuais queridinhas do momento. Elas oferecem salários realmente atrativos, mas encontram barreiras para procurar profissionais.
➡️ Eis a explicação: elas são relativamente novas e fazem parte do boom da IA generativa. As empresas estão atrás de quem realmente domina o assunto, mas são poucos aqueles que estão preparados.
Quem já conseguiu se qualificar, passa a ficar mais exigente em relação às vagas. Esses profissionais muitas vezes são atraídos por companhias estrangeiras, que pagam em euro ou dólar, permitindo até que a pessoa trabalhe do Brasil. Esse tipo de oferta mais atraente faz com que o mercado interno tenha dificuldades para reter os talentos.
“Quando vira sênior, você não quer mais trabalhar para companhias brasileiras porque dá para ganhar muito mais recebendo em dólar, e trabalhando do Brasil. Eu já recebi uma proposta para receber US$ 7 mil por mês de uma empresa gringa“, conta a engenheira de dados Gabrielle Azevedo, de 27 anos.
Outra profissão relacionada é a de analista de dados. Ela não tem tanta valorização como as outras duas nem remuneração tão alta, mas a possibilidade de crescimento profissional existe (entenda abaixo).
“Dados são gerados e consumidos o tempo todo e qualquer área pode se beneficiar deles. Isso explica o porquê de estes setores estarem em alta”, diz Bruna Zamith, cientista de dados da Amazon Brasil.
“Hoje em dia, não tem como você fazer inteligência artificial sem ter dados. O engenheiro vai dar suporte, mas o cientista vai ter a habilidade de criar os modelos generativos, por exemplo”, diz Suelane Garcia Fontes, coordenadora técnica do centro de ciência de dados do Insper.
O g1 conversou com três profissionais que têm a mesma idade (27 anos), mas que estão em trajetórias e momentos de carreira diferentes. Eles falam sobre suas experiências, desafios e como está o mercado de engenharia, ciência e análise de dados.
O g1 também ouviu professores e uma cientista de dados da Amazon Brasil, que falam mais sobre o mercado e dão dicas para quem tem interesse em investir nessas carreiras.
Nesta reportagem, você saberá:
🧑🔬 O que fazem esses profissionais?
➡️ Um engenheiro de dados é responsável por projetar, construir e gerenciar a infraestrutura de dados de uma organização. Esse profissional garante que os dados sejam disponíveis, confiáveis e prontos para serem utilizados pelos demais times da empresa.
➡️ O cientista de dados faz a análise dos dados obtidos pelo engenheiro e descobre coisas a partir deles. Com essas informações em mãos, ele vai trazer destaques e soluções. A estatística está muito presente no dia a dia dele. Além disso, vale observar que o cientista trabalha mais próximo de inteligência artificial generativa, um tipo de IA capaz de criar novos conteúdos a partir de ferramentas como o ChatGPT.
➡️ Já o analista vai usar os dados para preparar gráficos e gerar relatórios que ilustrem uma situação. Em outras palavras, ele traduz e transforma os dados em informações que apoiam a tomada de decisões de negócios pelo cientista, por exemplo.
⚠️ Ainda existem outros profissionais com funções relacionadas a essas acima, como engenheiros de analytics, engenheiros de plataforma de dados, engenheiros de machine learning, especialistas em DataOps e por aí vai, explica Artemísia Weyl, professora de programação e de engenheira de dados.
E como está o salário?
Dados obtidos pelo g1 com a plataforma de empregos Catho mostram que a média salarial em 2024 do cientista de dados está em R$ 7.801, enquanto a do engenheiro fica em R$ 6.927. Quando olhamos para o analista, a média fica em R$ 3.094, segundo o Vagas.com.
Tanto o levantamento da Catho como o da Vagas.com foram feitos nos primeiros meses deste ano.
Fabio Maeda, diretor da unidade de candidatos da Catho, diz que houve aumento na média salarial de profissionais na área de dados entre 2023 e 2024. “Os cientistas e os engenheiros tiveram incremento salarial de 3% e 7%, respectivamente. Isso indica que as empresas estão investindo mais em estruturação, análise e engenharia de dados”.
Para a consultoria Robert Half, os números podem ser ainda maiores no caso do cientista de dados. O estudo divulgado no fim de 2023 mostrou que um iniciante, que ainda está se desenvolvendo, pode receber em média R$ 14.400. Um profissional intermediário pode tirar R$ 18.700 ao mês, enquanto os líderes têm uma remuneração de R$ 24.100.
“Depois da pandemia, quando houve uma série de demissões, as empresas não queriam mais pagar aqueles salários altos. Só que depois elas voltaram a contratar, mas com salários menores. Ainda assim, a remuneração para essas áreas está acima da média em relação a outras profissões”, analisa Isabela Marinho Rangel, engenheira de dados do banco Itaú.
Note que a pessoa que faz análise de dado tem média salarial menor em relação ao cientista e ao engenheiro. Segundo o profissional Raphael Pavan, isso acontece porque esse cargo é um pouco mais antigo, ao contrário do cientista e do engenheiro, que são novos (entenda mais abaixo).
Onde posso trabalhar com dados?
Ainda segundo a Robert Half, os setores que vão liderar as contratações de profissionais de dados este ano são bancos, indústrias, seguradoras, empresas de educação e de saúde.
Isso também quer dizer que não existem limitações para estas três profissões. É possível encontrar oportunidades em empresas de varejo, alimentos, bebidas, comunicação, saúde, no setor do agronegócio, dentre outros.
Apesar disso, Bruna Zamith, da Amazon Brasil, faz um alerta sobre a falta de diversidade nessas áreas. “De alguma forma, os dados deveriam refletir a realidade. Só que, para que eles reflitam a realidade, é preciso diversidade de informações e tem que evitar vieses”, diz.
“E, para que isso aconteça, a gente precisa de pessoas diversas trabalhando com dados, o que ainda é inexistente na área”, completa.
Preciso de formação profissional?
Assim como em outras áreas da tecnologia da informação, especialistas dizem que a graduação nem sempre é o único caminho para trabalhar como analista, engenheiro ou cientista de dados.
Um primeiro contato com cursos disponíveis na internet já é algo vantajoso e o estudo constante se torna essencial, porque tecnologia muda o tempo todo.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, os cursos superiores podem ajudar a pessoa a ter uma base mais sólida. “Caso a pessoa não tenha graduação e queira atuar na área, ela precisa entrar em uma faculdade de estatística, ciência da computação ou atualmente no curso tecnólogo de ciência de dados, por exemplo”, diz a professora especializada em dados Artemísia Weyl.
Engenharia de computação, análise e desenvolvimento de sistemas, banco de dados, física ou matemática (estas últimas exigem complemento em TI, posteriormente) são outras graduações que podem ajudar.
Cursos gratuitos e comunidades de dados
- Edumi: trata-se de uma organização da sociedade civil (OSC) que tem como objetivo capacitar jovens de baixa renda para o mercado de tecnologia, com foco na área de dados. Oferece conteúdos, exercícios e mentorias para os novatos.
- PyLadies: comunidade dedicada para mulheres que têm interesse em trabalhar com tecnologia e linguagem Python. Realiza encontros on-line e presencial sobre o tema.
- Data Girls: comunidade que busca promover o aprendizado, networking e colaboração para mulheres na ciência de dados e na inteligência artificial. Possui grupos de discussões no Telegram e no Discord.
- Programa de aprendizado do Data Analyst: pensado para quem pensa em atuar como analista de dados, esse curso gratuito do Google Cloud abordando temas como big data, machine learning, SQL, entre outros.
- Programa de aprendizado do Data Engineer: outro curso gratuito do Google Cloud para quem tem interesse em engenharia de dados. Aborda processamento de dados, criação de pipelines, fundamentos de big data e mais.
- Açaí com Dados: comunidade com grupo no WhatsApp para troca de ideias sobre o universo de dados e promover a profissão na região Norte do país.
O que dizem os profissionais
A brasiliense Gabrielle Azevedo, de 27 anos, é engenheira de dados no iFood. Ela é responsável pela engenharia de plataformas, gerenciando a infraestrutura de ferramentas de visualização de dados da companhia.
Lá, ela começou como analista de dados, mas logo mudou para engenharia por recomendação de um chefe. “Ele falou que engenharia seria mais interessante para mim, e que eu tinha feito um bom trabalho até aqui, me estimulando a migrar”, conta.
A jovem é formada em engenharia de produção pela Universidade de Brasília (UnB), teve seu primeiro contato com dados em 2018, quando era estagiária da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
Um ano depois, ela começou a estagiar no Google, em São Paulo, onde atuava analisando dados dentro do setor de marketing, entre outras tarefas relacionadas.
Atualmente, Gabrielle recebe cerca de R$ 11 mil com carteira assinada (CLT) e reconhece que o salário nesse setor é realmente alto. No entanto, ela faz alguns alertas necessários para quem pensa em investir nessa profissão.
“Eu acho que o mais difícil é você conseguir entrar na área. Você precisa iniciar já sabendo de muita coisa, como construção de banco de dados, SQL, nuvem (cloud), versionamento de código e mais. É preciso ter uma certa experiência. A curva de aprendizado também é bem maior do que as outras áreas da TI”, conta.
“Eu gosto muito do que eu faço e da empresa onde trabalho, mas só no ano passado eu consegui parar em falar sobre demissão. A engenharia de dados cobra muito da gente”, diz Gabrielle.
“Parei de pensar em me demitir ao perceber que o mercado desacelerou, pagando menos em outros cargos. E a minha área está em alta e é muito difícil de entrar nela, ou seja, seria perder uma chance muito grande. Então, só pensei que valeria a pena continuar tentando porque a empresa é ótima, meu time, também”, completa.
O paraense Gustavo Ramos, de 27 anos, é um cientista de dados, uma das profissões que mais está no auge no universo dos dados. Ele trabalha como freelancer e sonha em conseguir uma oportunidade fixa com contrato CLT.
Gustavo é formado em matemática e chegou a dar aulas em uma escola. O domínio com números e estatísticas contribuiu para o aprendizado e migração para a ciência de dados.
Ele ainda passou a estudar a linguagem de programação Python e fez um curso técnico de ciência de dados.
Como freelancer, quando há demanda, ele consegue tirar entre R$ 2.000 a R$ 2.200 por mês. O primeiro “job” com isso foi conquistado em 2023 para uma empresa de varejo, onde ele conseguiu tirar R$ 1.200.
“Aqui na minha região, mesmo, não se encontra tanto emprego em dados. Por isso, eu tento procurar oportunidades remotas”, conta Gustavo, que reside na cidade de Ananindeua, na região metropolitana de Belém.
Assim como na engenharia de dados, as empresas têm dado preferência para profissionais mais experientes, revela Gustavo. “Para iniciantes, que é o meu caso, é um pouco mais complicado de encontrar vagas”.
O analista de dados Raphael Pavan, de 27 anos, vive em Campinas, no interior de São Paulo, e, hoje, trabalha para o banco Agibank. Ele conta que, embora seja apaixonado pela profissão, reconhece que ela não é tão queridinha como as demais, quando se olha para a remuneração.
“A nossa profissão existe há mais tempo em relação ao engenheiro e ao cientista. Então, a galera que já manjava um pouco dados conseguia assumir o papel do analista, mas de modos bem diferentes, de forma simplificada”, explica.
Segundo Suelane, professora do Insper, o analista não faz modelagem e predições como o cientista, por exemplo. “O analista é um princípio e, de fato, é uma profissão mais comum porque ela já existia”, confirma.
“Apesar disso, o analista consegue ter um bom salário e tem bastante oportunidade no mercado. As possibilidades de crescimento contam muito a favor, também. Consequentemente, o salário vai aumentando”, diz Raphael.
Raphael é formado em ciência da computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e trabalha com dados desde 2018, sempre como analista, incluindo estágios. Passou por várias instituições financeiras, por empresas de educação e startups.
Inicialmente, o seu objetivo não era trabalhar como analista de dados, já que buscou por vagas em ciência da computação. Por fim, ele acabou entrando no universo do analista, quando foi chamado para estagiar em uma empresa brasileira do setor financeiro, a Elo.
“Eu me apaixonei de cara. Como estagiário, mesmo, eu já pude entregar bastante coisa legal. Ali, eu já assumia responsabilidades do analista”, conta.
Hoje, mais experiente, ele diz que esse profissional precisa conhecer bem o negócio em que ele atua.
Por exemplo, se você trabalha para um banco, é importante estudar sobre mercado financeiro. Se for atuar para uma empresa de app de delivery, é importante analisar o comportamento do cliente na hora de pedir comida.
Raphael também reforça que a pessoa que deseja entrar nessa área precisa saber se comunicar. O analista é quem vai chegar nas reuniões e fazer apresentações em público — traduzir o que os dados dizem.
“E, claro, não importa se você quer ser analista, engenheiro ou cientista, você tem que saber SQL e linguagem Python, porque são fundamentais para trabalhar com dados. Eu acho que, em breve, Python vai ser o novo ‘inglês fluente obrigatório’ na nossa área”, finaliza Pavan.
Fonte: G1.