Tecnologia tem dificuldades para contratar, mesmo com desemprego

Nas últimas semanas, o CEO da L5 Networks, Paulo Chabbouh, dedicou grande parte de sua agenda à tarefa de preencher 10 importantes vagas em seu quadro de funcionários.

Depois de crescer 30% no ano passado, empresa líder do setor de telefonia em nuvem se deparou com a necessidade de reforçar as equipes, principalmente na área de desenvolvimento de softwares na capital paulista.

A missão do executivo, no entanto, fracassou. Mesmo sem exigir diploma universitário – apenas a comprovação de que a pessoa sabe desempenhar o trabalho –, de 16 candidatos pré-selecionados, apenas oito apareceram para a entrevista pessoal, o que inviabilizou o preenchimento dos novos postos de trabalho.

“A gente está buscando profissionais nas áreas de desenvolvimento de software, tecnologia no geral. Não estamos encontrando porque muitos não têm comprometimento, e a maioria não tem o conhecimento para o cargo”, garante Chabbouh.

“Nós aplicamos um teste simples e a maioria não entrega, e dos que passam metade não aparece na entrevista. Estamos com vagas abertas há quase um ano e meio, e pela responsabilidade, estamos contratando pessoas mais velhas, na faixa dos 40 e 50 anos.”

A dificuldade do presidente da L5 Networks simboliza uma contradição do mercado de trabalho brasileiro. Apesar dos mais de 13 milhões de desempregados, falta mão de obra qualificada para preencher milhares de vagas.

Sumiram os candidatos, principalmente, para funções nas áreas de recursos humanos, contabilidade, finanças, meio ambiente, engenharia, profissionais de quase todas as áreas da saúde e tecnologia, áreas que hoje, de acordo com o Guia Salarial 2019, da consultoria Robert Half, possuem o maior potencial de crescimento da remuneração.

“Só em TI, o déficit de vagas foi de 150 mil a 200 mil em 2018”, afirma Pietro Delai, gerente de Consultoria e Pesquisa da IDC Brasil. “Um dos problemas é que não há tanta agilidade no campo do ensino tecnológico. Acredito que falta uma visão mais estratégica”, diz o executivo (leia mais na entrevista abaixo).

Delai afirma que a área de ciência de dados, vital para as estratégias de negócios, está entre as categorias que nem sempre encontram funcionários adequadamente credenciados. Técnicos em redes para conexão de computadores, especialistas em computação em nuvem, além de engenheiros de software, estão entre as maiores carências.

Um levantamento da recrutadora ManpowerGroup mostra que o Brasil possui um dos piores índices de mão de obra não qualificada do mundo. A taxa de escassez de talentos é de 63%, praticamente o dobro da média internacional (36%). A sondagem ouviu mais de 37 mil empregadores de 42 países.

Os caçadores de inteligências apontam basicamente dois itens prejudiciais que fazem com que o Brasil fracasse no ranking: a escassez de profissionais capacitados (83,23%) e a deficiente formação básica (58,08%) são os principais entraves que afetam a escolha dos entrevistados. O estudo se baseou nos dados fornecidos pelas 167 companhias de várias áreas que, juntas, respondem por 23% do PIB brasileiro.

Não por acaso, assim como fez a L5 Networks, as empresas reduzem as habituais exigências, como experiência comprovada, pós-graduação e fluência no idioma inglês, além de proporcionar pacotes de benefícios. Com profissionais menos qualificados, a produtividade cai. De acordo com pesquisas recentes, os brasileiros ineficientes levam o dia todo para produzir aquilo que um americano faria em apenas cinco horas, um alemão em seis e um chinês em oito.

A mão de obra inadequada é tão preocupante que muitas empresas preferem capacitar o profissional depois da contratação, sendo essa a única saída para preencher as vagas disponíveis. Um estudo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgado no final ano passado, revelou que 81% das empregadoras do país recorrem a essa estratégia. Entre aquelas de grande porte, a taxa é mais elevada e alcança 87%.

DESEMPREGO

Apesar da dificuldade de muitas empresas para preencher as vagas disponíveis, o desemprego continua a ser a grande mazela nacional. Pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), são 5,2 milhões de brasileiros desocupados há mais de um ano. O índice representa 38,9% do total de desempregados do país. Já 24,8% (o equivalente a 3,3 milhões de pessoas) estão sem nenhuma atividade há dois anos ou até mais.

Considerando toda a população, a situação é dramática: a taxa nacional de desemprego saltou a 12,7% no primeiro trimestre de 2019. Assim, atingiu a marca de 13,4 milhões de pessoas em busca de uma nova oportunidade no mercado de trabalho.

Trata-se do pior índice desde maio de 2018. Pior ainda: por enquanto, a frágil retomada não tem sido capaz de reverter esses números. Os jovens entre 18 e 24 anos (27,3%) compõem a faixa mais prejudicada, sempre de acordo com dados oficiais do IBGE. “A desocupação é expressiva. A qualificação não avança. O que sustenta o mercado é o emprego por conta própria e a informalidade”, diz o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, ao analisar os dados atualizados.

Entrevista-Pietro Delai, gerente de Consultoria e Pesquisa da IDC Brasil

“Há sinais positivos que animam”

Pietro Delai(foto: IDC Brasil / Divulgacao )
Pietro Delai(foto: IDC Brasil / Divulgacao )

O desemprego piora no Brasil, mas há sobra de vagas, especialmente no setor de TI. Como o senhor avalia esse cenário?
Para que tenham uma ideia, só em TI o mercado latino-americano mantém 500 mil vagas disponíveis e não preenchidas.

Aqui o déficit varia de 150 mil a 200 mil, segundo estudos aproximados e fechados em 2018. Não há estatísticas da IDC Brasil sobre 2019, mas a tendência é que o quadro atual melhore. Já temos indicadores mais otimistas. É apenas o início da virada. Há sinais positivos que nos animam.

Como explicar a reviravolta neste setor de muita influência na economia?  

Quero deixar claro que a mudança é lenta e gradual. Eu diria que ainda não vivemos um clima de maravilha, mas já há alguma coisa para comemorar. Entre os pontos positivos, aponto a formação dos novos profissionais, principalmente da indústria, que ampliou a capacitação dos funcionários para atender à desproporcional demanda.

Quais são os maiores desafios de empregabilidade no cenário de TI?
Ainda somos afetados pela falta de mão de obra específica, mas, como expliquei, agora sentimos a boa reação. Um dos principais desafios é melhorar e modernizar muito mais o que aí está. Colocamos em prática o aperfeiçoamento das redes nos municípios brasileiros. Não é tão simples. O que serve no Estado de São Paulo não é o que serve no Pará. É preciso avançar constantemente no aprimoramento da infraestrutura de TI e das telecomunicações. A cobertura 4G é um dos exemplos. As transformações não param de evoluir. As empresas adotam cada vez mais a informatização. Estamos atentos ao crescimento deste setor.

Como estimular a frequência dos alunos às escolas ou, de alguma forma, despertar o interesse deles pela área tecnológica?

Existem ótimos cursos nas universidades públicas e privadas do país As opções de aprendizado aí estão. Só que a qualificação profissional depende sempre do comprometimento e do interesse de cada estudante.

Em quais áreas do TI há as maiores carências de mão de obra?

Cito algumas como cientista de dados, técnico em redes para conexão de computadores, especialista em computação em nuvem e engenheiro de software e computação. A Inteligência Artificial e o Big Data crescem demais e sugerem especialistas bem qualificados no uso de ferramentas destinadas a pescar novos dados. Um dos problemas é que não há tanta agilidade no campo do ensino tecnológico. Acredito que falte uma visão mais estratégica.

Não há conscientização quanto ao bom retorno financeiro e profissional?
Os candidatos ao emprego nesta área não devem pensar que basta ter um diploma em mãos. É recomendável elevar o nível de conhecimento para se sobressair. Caso contrário, haverá mais dificuldades. Quanto ao retorno salarial, isso é muito relativo. A competência é o que determina. Pode-se assumir alguns tipos de tarefas ou elaborar projetos muito mais amplos. Diria que prevalece uma espécie de vale quanto pesa.

Quais segmentos dentro da TI são mais carentes de funcionários devidamente preparados?
Aqueles que envolvem a segurança como um todo. É uma de nossas maiores preocupações. Nunca se investiu tanto nisso. Hoje em dia, há quem contrate inovações de redes até pela internet.

Qual é a política da IDC diante do fenômeno de baixa qualificação?
Monitoramos o mercado como um todo e prestamos consultoria às empresas que procuram se modernizar. Aí os relatórios mostram o que falta para que o desempenho de cada uma seja o mais avançado possível. É uma espécie de busca contínua pelo que há de melhor.

Fonte: EM

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