As incertezas que rondam a economia do Brasil trazem reflexos maiores do que a dificuldade para a retomada econômica ou o afastamento de investidores internacionais, que não sentem segurança em apostar no país. O atual cenário impacta diretamente na vida de 21,6 milhões de brasileiros que, pela fragilidade do mercado, estão desocupados ou desalentados. Sobreviver a essa realidade virou um desafio, e para muitos, a saída tem sido a criatividade. A taxa de pessoas que decidiu trabalhar por conta própria no primeiro trimestre deste ano atingiu um dos maiores índice dos últimos quatro anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do instituto, dos 91,9 milhões de empregados entre janeiro e março, 25,9% trabalhavam de maneira independente (veja gráfico na página 10). Na prática, significa que quase 24 milhões de brasileiros arregaçaram as mangas e tomaram a decisão de investir em alternativas fora do mercado formal para ter a própria renda e sobreviver em meio à crise.
Essa foi a alternativa encontrada por Cristiane Martins. Depois de 20 anos de carteira assinada como operadora de telemarketing, hoje, aos 39 anos, ela se define como microempreendedora, já que faz encomendas de doces e salgados e vende os produtos produzidos por ela mesma. A nova ocupação surgiu depois de vivenciar a dificuldade decorrente da falta de vagas no mercado de trabalho. Por motivos de saúde, em janeiro do ano passado, Cristiane entrou em acordo com o antigo patrão e pediu demissão.
Na época, ainda empregada, a operadora de telemarketing desenvolveu depressão e fibromialgia. Como consequência das doenças, chegou a tomar três remédios para dormir. “Estava em uma situação muito ruim de saúde. Ou tomava uma atitude ou acabava morrendo e não veria meus filhos crescerem”, desabafa. Só depois de alguns meses a ficha caiu e ela percebeu o tamanho do desafio que tinha pela frente para conseguir se recolocar no mercado.
Somente com o nível médio no currículo, o problema se tornou ainda maior. “Entreguei currículos novamente para empresas de telemarketing para tentar voltar para o mercado, mas não fui chamada nem para entrevistas”, relembra. Com isso, a forma para complementar o orçamento de casa foi encontrada na própria cozinha. “Eu já gostava de mexer com comida, e me descobri no lado dos doces. Depois de um ano parada em casa, comecei a fazer ‘dindin’ gourmet”, conta.
No início, a moradora de Samambaia vendia somente na porta de casa para os vizinhos e tirava, em média, de R$ 500 a R$ 600. Com a divulgação nas redes sociais, o faturamento aumentou e, atualmente, a renda mensal é maior do que a do antigo emprego. “Hoje, consigo ganhar até R$ 3,5 mil por mês”, diz.
FALTA DE INVESTIMENTO O professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Feldmann destaca que uma das maneiras para solucionar parte da crise econômica vivida no país é transformar o trabalhador desempregado em microempreendedor. Entretanto, ele alerta que no Brasil ainda faltam projetos que estimulem o crescimento da categoria. “É preciso ensinar desempregados a ter uma nova ocupação e virar empresários, mas, no Brasil, não existem políticas voltadas para favorecer esse tipo de coisa”, avalia.
Como consequência, a falta de incentivo e de soluções para o desemprego sobrecarrega o sistema previdenciário. “O emprego e a Previdência estão totalmente ligados. A geração de emprego é fundamental para manter a saúde financeira da Previdência como um todo”, pontua. Dessa forma, Feldmann lembra que as pessoas param de contribuir com o INSS e dificilmente investem na previdência privada ou juntam dinheiro para o futuro. “Os brasileiros não têm o hábito de poupar. Boa parte até que conseguiria guardar dinheiro, mas não tem o costume. Isso tem de mudar daqui em diante”, alerta.
Apesar disso, existem pessoas que entendem a importância de guardar dinheiro para o futuro, como Nathália Albuquerque, de 24. Hoje, ela divide a rotina da graduação em publicidade e propaganda com a produção de canecas, almofadas, camisetas e outros artigos personalizados. Com a renda dos produtos, ela cobre os custos da faculdade, e o que sobra, guarda para poder abrir o próprio negócio quando se formar.
Ela conta que não havia planejado trabalhar com isso. Após terminar o ensino médio, em 2012, fez um curso de técnico em edificações e conseguiu emprego em uma empresa de engenharia. No entanto, o empreendimento declarou falência e ela ficou desocupada. “Há três anos, uma amiga me chamou para ajudá-la a produzir camisetas para o retiro de uma igreja, e fiquei muito interessada. Naquele momento, percebi a variedade incrível de produtos que poderia fazer. Desde então, investi nisso”, explica.
Nathália adquiriu uma máquina para as personalizações, e por mês, tem lucro que varia de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil. “Além do retorno financeiro, trabalhar com isso significa uma questão de liberdade, pois não dependo de ninguém para ter salário e trabalho na hora que eu quiser. Daqui a dois ou três anos, espero me formalizar e ter um espaço só meu, para seguir fazendo algo que aprendi a gostar”, afirma.
Por que a atividade autônoma configura boa opção
Dados divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) na última semana mostraram que o país criou aproximadamente 314 mil vagas de emprego com carteira assinada de janeiro a abril deste ano. Em comparação ao mesmo período do ano passado, o número foi menor. Nos quatro primeiros meses de 2018, foram geradas quase 337 mil vagas formais.
Segundo Carlos Alberto Ramos, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), as estatísticas de desemprego não vão reduzir de forma significativa até o fim do ano. Para ele, será uma vitória se o país mantiver as taxas atuais. “A recessão de 2014 a 2016 ainda causa reflexos, e a recuperação da economia continuará se dando de forma lenta, tanto que o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) para este ano está estimado em menos de 2%. Por consequência, o mercado de trabalho não terá resultados vigorosos a curto prazo. Portanto, se o desemprego não aumentar até dezembro, estará de bom tamanho”, diz.
“O custo emocional pesa, pois a pessoa gasta tempo e dinheiro estudando, imprimindo currículos e indo a entrevistas, para no final não ser contratada. Resta a informalidade, que não é uma coisa fácil. Muitas vezes, esse trabalhador tem de se adaptar a uma realidade da qual não estava acostumado, para ganhar o mínimo para sobreviver por um período”, analisa.
COSTUME O motorista de aplicativo Jeferson Silva, de 26 anos, está acostumado com a informalidade. Ele já trabalhou em lava-jato, loja de açaí e até vendeu meias na rua. “Desde mais novo, sempre busquei trabalhar para mim mesmo e não depender somente da empresa privada”, diz.
De qualquer forma, Jeferson já teve carteira assinada. No entanto, a experiência mais recente não foi muito boa. Em outubro do ano passado, ele foi demitido e precisou procurar outras formas para se sustentar e pagar pensão ao filho de cinco anos. Recorreu ao serviço de transporte por aplicativo e também começou a produzir e vender marmitas na Esplanada dos Ministérios com a noiva, também desempregada.
O bico de vendedor de marmitas foi possível graças a um prêmio. Em janeiro, ele ganhou uma promoção de um supermercado, que lhe concede R$ 1,2 mil todo mês em forma de vale-compras. “Usamos esse vale para comprar os mantimentos e produzir a marmita”, explica.
Também com 26 anos, Juliana Procópio sente na pele as adversidades do mercado de trabalho, mesmo tendo formação superior, diferente de Jeferson. Juliana procura por um emprego na sua área desde 2017, quando se formou em jornalismo. A última vez que esteve empregada foi em um estágio. “Na época, a empresa contratou uma consultoria para cortar custos e as contratações foram suspensas. Com isso, fui uma das cortadas”, relembra.
Segundo ela, o sentimento de não conseguir se inserir na profissão escolhida é de frustração. “Você estuda tanto, acorda cedo, chega em casa tarde, se alimenta mal para terminar uma graduação, que acaba não te garantindo nada”, lamenta. Para driblar o desemprego e a decepção, ela encontrou no artesanato, que antes era um passatempo, sua principal renda. “Comecei fazendo garrafas para o chá de panela de uma amiga e todo mundo elogiou. Como gosto de fazer e tinha tempo livre, passei a produzir para vender. Hoje, consigo pelo menos R$ 400 mensalmente e ajudo os meus pais nas despesas de casa”, conta.
Atualmente, trabalhar com a produção de artigos artesanais, que decoram desde chá de bebês a formaturas, é importante para Juliana tanto financeiramente quanto psicologicamente. “Tenho ansiedade. Ficar sem fazer nada me angustia. Como é um trabalho muito minucioso e que exige concentração, esforço-me para ser bem detalhista e fazer algo bem-feito. O artesanato é como uma terapia”, reconhece. (AF/MEC)
Fonte: EM