3o. Ciclo (De 1985 a 1990)
3o. Ciclo (De 1985 a 1990)

3º Ciclo (De 1985 a 1990)

Características

Mais precisamente em 1984, mas com os desdobramentos para o ciclo abordado, o Brasil passou a se preocupar de maneira mais incisiva, com a questão tecnológica. A tecnologia digital ensaiava uma significativa participação nos demais segmentos industriais e isso começava a preocupar o governo brasileiro.

Não sei quantos tem essa informação, mas já houve uma outra Lei de Informática no Brasil.

A Lei n.º 7.232, foi aprovada em 29 de outubro de 1984 e estabeleceu os princípios da Política Nacional de Informática. Essa Lei de Informática estabeleceu, formalmente, uma reserva de mercado para empresas de capital brasileiro. O espírito da Lei era dar fôlego às empresas nacionais para que pudessem concorrer com as empresas globais, quando se encerrasse sua vigência.

Antes disso, no entanto, o Decreto No. 84.067, de outubro de 1979, havia criado a Secretaria Especial de Informática – SEI, com o objetivo de “assessorar na formulação da Política Nacional de Informática (PNI) e coordenar sua execução, como órgão superior de orientação, planejamento, supervisão e fiscalização, tendo em vista, especialmente, o desenvolvimento científico e tecnológico no setor”.

A discussão sobre a reserva de mercado no País é longa e não é intenção estendê-la além do necessário ao que pretendo descrever neste texto.

Dividida, a classe empresarial, seus órgãos de classe e segmentos representativos da sociedade se posicionaram contra e a favor.

Para alguns, mais liberais, a decisão causaria um enorme atraso na economia brasileira porque já havia, no horizonte, a perspectiva de que, em um belo dia, a digitalização aconteceria de forma generalizada. E atingiria de frente as empresas do País e as instaladas em Manaus, especialmente as que atuavam com interesse no mercado externo.

As empresas contrárias à abertura indiscriminada do mercado brasileiro, em sua grande maioria nacionais, consideravam que não conseguiriam competir em um mercado aberto às empresas multinacionais, detentoras de grandes investimentos em tecnologia. O País não possuía conhecimento e, portanto, tecnologia suficiente para fazer frente a uma competição tão desigual.

Na ótica do que se chamava de nacionalistas, o Brasil precisava de tempo para investir em conhecimento – recursos humanos, pesquisa científica e tecnológica – e consolidar suas empresas de informática.

Em Manaus algumas empresas de informática estavam se instalando. A Dismac e a Sharp, dentre outras, já tinham projetos para instalar fábricas de computadores em Manaus. A Gradiente apresentou um projeto para produzir circuitos integrados. Tive o privilégio de realizar a análise desse projeto. Foi um grande aprendizado para mim. Confesso que não sei se a proposta saiu do papel. Creio que não.

Uma das vantagens de vir para Manaus era a possibilidade de importar insumos mais avançados tecnologicamente: os circuitos integrados, ou chips. E havia restrições para isso.

Durante boa parte desse período, profissionais da Suframa e da Fucapi ficaram longos meses na SEI, em Brasília, discutindo com técnicos daquela instituição como agir perante as políticas e as diretrizes estabelecidas pela Lei de Informática, buscando conciliar interesses muitas vezes divergentes.

Embora o ambiente parecesse adverso, e era mesmo, creio que Manaus ganhou muito durante o período. As instituições, por meio de seus profissionais, amadureceram e aprenderam a negociar. Isso seria muito importante para as futuras negociações que tinham como objetivo atrair empresas para se instalar no PIM, nos anos seguintes.

O Brasil investiu bastante em informática, naquele período. Diversos programas de capacitação de recursos humanos e de P&D, especialmente em microeletrônica, foram desenvolvidos.

Muitas instituições de pesquisa e universidades, especialmente a USP, a Unicamp, o Centro Tecnológico de Informática – CTI de Campinas e a UFRGS, criaram grupos de pesquisa em microeletrônica. Em Manaus, a Fucapi desenvolveu projetos que chegaram a produzir sensores que seriam utilizados em dispositivos eletroeletrônicos.

Mas era difícil competir com empresas multinacionais que possuíam recursos financeiros suficientes para desenvolver tecnologias e fornecê-las para o mundo inteiro. A ordem de grandeza dos investimentos dessas empresas era na casa de bilhões de dólares. E nessa época o Brasil estava literalmente quebrado. Não havia recursos públicos ou privados para investimentos daquela dimensão.

Com a redemocratização do Brasil, tivemos eleições diretas em 1989, após mais de 25 (vinte e cinco) anos. E, novamente, a continuidade das políticas públicas, aquelas estabelecidas pela Lei de Informática, foram sendo alteradas com os novos donos do poder. Nesse caso, até que o País ganhou. Caso contrário, estaríamos muito atrasados tecnologicamente.

A ascensão de Fernando Collor à Presidência do Brasil, em 1990, modificou completamente a política industrial brasileira. Justificando que os carros brasileiros eram carroças, Collor abriu as fronteiras do País visando modernizar a indústria brasileira.

O PIM, no meio desse tsunami, também sentiu as mudanças, mas respondeu com ações que visaram tirar as empresas da zona de conforto do mercado cativo e reservado que as políticas anteriores garantiam.

A Lei de Informática foi alterada em 1991, dando mais flexibilidade ao conceito de empresa nacional. A reserva de mercado foi extinta em 1992.

Perfil dos Recursos Humanos

O novo cenário industrial exigiu uma ainda maior especialização dos profissionais que atuavam nas empresas do PIM. Para otimizar seus processos, profissionais com visão gerencial mais abrangente foram contratados. Ou, os que demonstravam maior capacidade, ou talento, e que já estavam nas empresas, eram treinados para ocupar cargos estratégicos.

Enfim, foi criado em Manaus um ambiente que estimulou a formação e a capacitação de capital intelectual em atividades demandadas pelas empresas.

Relembrando e considerando que a tecnologia do produto é de posse exclusiva dos donos das empresas e é desenvolvida em suas matrizes, as empresas de Manaus desenvolveram em suas fábricas locais um conhecimento muito útil e importante: a engenharia de produção.

Para isso, a região investiu bastante e trouxe cursos ministrados pelas melhores universidades do Brasil, na área.

A partir de 1986, por exemplo, a Fucapi abrigou cursos de pós-graduação lato sensu em Eletrônica Digital, ministrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e em Engenharia de Produção, em parceria com Universidade Federal de Santa Catarina. A maior parte dos alunos era constituída por profissionais da indústria local e por professores das Universidades locais.

Embora houvesse esforço para que a formação de profissionais da área de engenharia, principalmente, atendesse à demanda das empresas, o Brasil apresentava uma característica interessante: embora com inflação elevada, o País crescia e as empresas do PIM contratavam profissionais em uma velocidade acima da capacidade das instituições de ensino locais forma-los.

Com isso, aconteceu o inevitável: as empresas instaladas em Manaus começaram a importar mão-de-obra (termo não muito adequado, mas que era muito utilizado até recentemente). “Importaram” tanto que houve até queixa dos formandos locais que se sentiam discriminados.

Mas isso foi resolvido sem grandes traumas. As escolas evoluíram e as empresas entenderam que era uma boa política se aproximar das instituições de ensino locais. Isso sem antes ter pago o preço de entender que muitos vinham para Manaus, como recém-formados, para ganhar experiência e, a seguir, voltar para perto de casa. Algo muito natural!

Além disso, foram criadas escolas novas, na área de tecnologia, que ofereciam cursos de qualidade e que motivavam profissionais a serem professores ao invés de buscar salários melhores nas empresas.

Uma dessas experiências dura até hoje e eu creio que é uma história interessante de ser contada.

Em 1985, Manuel Rodrigues, Diretor Executivo da Fucapi, apresentou a alguns técnicos uma ideia surpreendente: criar uma escola técnica de informática. Eu entendi, a princípio, que a escola seria da Fucapi.

Nunca perguntei ao Manuel Rodrigues de onde ele tinha se inspirado para propor algo que, de certa forma, era inesperado. Embora a Fucapi ministrasse cursos de curta duração e estivesse coordenando curso de pós-graduação cuja instituição promotora era uma instituição do porte da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, o avanço das ações da Fucapi no sentido de criar uma escola técnica em uma área praticamente desconhecida, a informática, era notável.

A agradável surpresa era tão maior quanto um importante indicador: seria a primeira escola técnica de informática do Brasil. Nunca tivemos certeza se a escola foi a primeira ou a segunda. Mas não faz diferença, nesse caso, a posição ocupada. A iniciativa, por si, já era vencedora.

A ideia foi muito bem recebida e, logo, foi criada uma Comissão encarregada de torna-la viável. Liderada pela Dra. Flávia Grosso, a comissão era constituída pelos seguintes membros: Soraya Pimenta, Catarina Assi, Raimunda Dionísia, Clemilton Lima, Geraldo Feitoza e o redator deste texto.

Não tenho detalhes dessa decisão, mas o Diretor Executivo da Fucapi, Manuel Rodrigues, acabou acertando com o Governo do Estado que a Escola seria estadual e que os alunos não pagariam o curso.

Lembro que o Governador o Amazonas era Gilberto Mestrinho e a Secretária de Educação era Freida Bittencourt.

Após essa decisão, uma equipe da Secretaria de Educação do Estado do Amazonas juntou-se à Comissão da Fucapi e, durante boa parte do ano de 1985 foi elaborada a escola técnica de informática – política pedagógica, regimento, disciplinas e seus conteúdos programáticos, definição da infraestrutura, etc.

A escola, denominada de Centro Estadual Profissionalizante em Informática – CEPI, foi planejada para que os alunos realizassem, concomitantemente, os cursos técnico e médio e funcionou na Fucapi durante 1 (um) ano.

Coube à Fucapi a cessão (i) do espaço físico para abrigar salas de aula, laboratórios, secretaria, salas de professores, coordenação e direção (em parte de um prédio recém-inaugurado), e (ii) dos professores das disciplinas técnicas. Também caberia à Fucapi a gestão do CEPI.

Ao Governo do Estado, por meio de sua Secretaria de Educação, coube a formalização do CEPI como escola pública e o acompanhamento das suas atividades.

Outro aspecto importante do pioneirismo da iniciativa é o fato de que o CEPI foi planejado para funcionar em tempo integral. Os alunos almoçavam na própria Fucapi, sem custos para seus pais ou responsáveis.

Por se tratar de uma escola pública, foi realizado um processo seletivo que utilizou o Colégio Estadual para abrigar a quantidade de jovens interessados em estudar no CEPI e preencher as 60 (sessenta) vagas disponibilizadas, distribuídas em 2 (duas) turmas de 30 (trinta) alunos.

Em março de 1986 foi inaugurado o CEPI, surpreendendo a cidade de Manaus e, creio, o próprio País.

Dentre as inovações implementadas, as salas de aula utilizavam modernas lousas eletrônicas cedidas pela Dismac, que planejava produzi-las em Manaus, mas que, até onde eu sei, não foi concretizado.

As aulas foram iniciadas com a utilização de 2 (dois) laboratórios com microcomputadores cedidos pela própria Dismac e por outra empresa que já não me recordo o nome. Afinal, já se passaram mais de 33 (trinta e três) anos dessas ações.

A iniciativa de criação do CEPI representou uma bela resposta para aqueles que achavam que Manaus não podia abrigar empresas de alta tecnologia por não ter escolas que formassem recursos humanos qualificados, especialmente em uma área altamente especializada como a informática. Creio que a iniciativa do CEPI abriu o caminho.

Mas o mais importante da iniciativa foi a imensa oportunidade aberta para os jovens amazonenses que puderam, assim, trabalhar nas indústrias do PIM, sonhar com boas remunerações e atuar com tecnologias que apresentavam inúmeras perspectivas profissionais.

Nem tudo eram flores, no entanto. Como o espaço físico e os recursos financeiros da Fucapi eram limitados, havia um impasse para o crescimento do CEPI.

As atividades se desenvolviam normalmente no primeiro ano de atividades do CEPI, em 1986. Mas a equipe remanescente da Comissão original que o constituiu, e que ficou responsável pelo seu desdobramento e pelo futuro das atividades educacionais da Fucapi, estava apreensiva. Nos perguntávamos como seria feito o desdobramento do CEPI. A Fucapi estava crescendo e a Escola também precisava crescer.

A salvação veio a partir de uma reunião entre o Governador Gilberto Mestrinho, na prática o dono do CEPI, e o dono da empresa SHARP, Matias Machline, que assumiu a Escola. O CEPI se tornou Fundação Matias Machline e mudou-se para o local onde está instalada até hoje; um terreno originalmente do Governo do Estado, onde funcionava uma escola técnica estadual que se mantinha com muita dificuldade.

Com o encerramento das atividades da Sharp, a Fundação Matias Machline passou pela gestão de outros mantenedores. A Nokia e a Microsoft foram responsáveis pela instituição que, atualmente, é mantida pela Digitron.

Depois de muitas idas e vindas, a atual mantenedora retomou o nome original da Escola: Fundação Matias Machline. Bela medida!

As vezes ainda encontro profissionais formados no CEPI. Ou melhor, na Fundação Matias Machline.

Creio que o plantio daquela semente valeu a pena.

A qualidade do ensino da Escola é reconhecida por toda a sociedade amazonense.

No próximo artigo pretendo descrever as ações de ciência, tecnologia e inovação ocorridas em Manaus, no período abordado.

Creio que a principal ação é o Plano Estratégico de Educação, Ciência e Tecnologia (Peect). É uma história que, infelizmente, não prosperou. Vou tentar descrevê-la a partir de documentos que disponho e da minha pequena participação, como atento coadjuvante. Aprendi muito nesse período.

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