Fernando Beloni, de 54 anos, faz parte da terceira geração de produtores rurais da sua família. Nascido em São Paulo e atualmente morando em Patrocínio, na região do Alto Paranaíba, em Minas, ele cultiva café, batata, cebola e grãos. E, há pelo menos sete anos, ele começou a adotar práticas de agricultura mais conscientes. Essa nova postura o levou a ter a primeira fazenda de café regenerativo do mundo, título concedido no ano passado pela certificadora britânica Control Union. Com redução de quase 30% no seu custo e reconhecimento internacional de sua marca, o negócio de Beloni demonstra como pequenas e médias empresas também podem se beneficiar das práticas ESG.
O termo, felizmente, anda na moda. A sigla em inglês significa governança ambiental, social e corporativa (Environmental, Social and Governance) e trata-se de uma abordagem que prevê o trabalho em prol de uma série de objetivos ligados à sustentabilidade, a questões sociais e de transparência da gestão do empreendimento.
Uma pesquisa da Amcham, com 574 gestores, mostrou que cerca de 47% das organizações brasileiras já estão implementando práticas ESG e outros 31% estão planejando aderir à agenda. O levantamento foi feito entre março e abril de 2023. Cerca de 96% das empresas que estão na Bolsa brasileira (B3) também estão comprometidas com a agenda ESG, segundo uma pesquisa da PwC em parceria com o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, divulgada em janeiro.
Douglas Cabido, diretor técnico do Sebrae Minas, explica que o ESG está sendo discutido no mundo todo há muitos anos. “É muito difundido por grandes empresas, mas na tendência de um mundo mais verde, pequenos negócios devem ficar mais atentos. Consumidores estão buscando isso”, observa.
O professor Carlos Braga, coordenador do Centro de Referência ESG da Fundação Dom Cabral, explica que negócios que estão inseridos nesta agenda têm acesso mais fácil e barato às linhas de crédito nos bancos. “O Banco Central já exige o gerenciamento de risco (função de governança). Caso a empresa não tenha, pode ter dificuldade de acessar capital simples, como o de giro”, explica Braga.
Ele observa que, em contrapartida, empresas que não adotam essas práticas podem ser surpreendidas pela adoção compulsória motivada pela dor. Seja por problemas associados ao meio ambiente, à contabilidade, como no caso da Americanas, ou por questões trabalhistas, como o da vinícolas do Sul do país, que compravam de fornecedores denunciados por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão. “Calcula-se que na bolsa americana, cerca de 80% do valor de uma empresa é associado à sua reputação”, detalha Braga.
Para ele, ESG não é custo, é investimento. “São práticas que vão me diferenciar perante o concorrente. Os negócios que praticam essa agenda são priorizados pelas grandes empresas”, lembra. A Vale, por exemplo, só fecha contratos com empreendimentos que respeitem esta pauta.
O professor, que também atua como conselheiro de empresas privadas e do terceiro setor, conta que o investimento para uma certificação básica de ESG gira entre R$ 50 mil e R$ 100 mil. “Se o negócio é mais exposto a riscos naturais, tende a ser mais elevado o custo”, explica. Ele acrescenta, porém, que há diversas certificações e treinamentos gratuitos para empreendedores.
Braga lembra que cerca de 90% das pequenas e médias empresas têm origem familiar e esta agenda tem que estar na visão de longo prazo da gestão. “A agenda precisa do apoio da liderança. A família, ao fazer esse movimento, está levando a empresa além da performance. Está fazendo com que a perenidade do negócio se estabeleça”, detalha.
Segundo o levantamento da Amcham, cerca de 82% dos entrevistados acreditam que os CEOs devem liderar ativamente a agenda ESG.
PESQUISA AMCHAM
Principais insights da agenda ESG
- 57% das organizações buscam aderir a agenda ESG para ter impacto positivo em questões socioambientais
- 30% das empresas reportam avanços significativos em relação às metas do Pacto Global da ONU
- 62% acredita que ‘Trabalho decente e crescimento econômico’ é a prioridade para a empresa
- 46% Promovem políticas e práticas de reciclagem e reuso de materiais
Fonte: Amcham e Humanizadas (2023). 574 respondentes com 5% margem de erro e 95% grau de confiança dos dados
Empresas com agenda ESG tendem a ser mais inovadoras
Segundo um levantamento divulgado em maio pela Amcham, empresas pioneiras e referências em ESG tendem a dedicar mais tempo à expansão de seus negócios, seja por meio de novos produtos ou novos mercados, como é o caso de Fernando Beloni com seu café regenerativo. Cerca de 59% dos empreendedores se consideram inovadores.
Beloni explica que o café regenerativo é cultivado com algumas técnicas especiais que melhoram a vida do solo, promovem um maior equilíbrio e reduzem o uso de defensivos e fertilizantes químicos. “Há alguns anos, eu comecei a questionar a sustentabilidade do meu negócio para o futuro. No método tradicional, nossos netos não iam ter uma fazenda produtiva como é hoje”, observa.
Mas a tarefa rumo a um negócio mais verde requer resiliência. Para cultivar a terra para o café regenerativo, não se pode em hipótese alguma revolver o solo e é preciso plantar outras culturas entre os pés de café para promover o controle de praga por meio de inimigos naturais e fixar biologicamente o nitrogênio na atmosfera. Além disso, a fazenda tem feito o planejamento de plantio de árvores para melhorar o sequestro de gás carbônico, a remoção de CO2 de forma espontânea pelas plantas.
Tanto trabalho ainda não gera tamanho valor agregado ao produto, porque o conceito de café regenerativo ainda é novo. “Muitos clientes nem sabem. Em termos financeiros, o ganho ainda é pouco. Vendi lotes mais caros, mas percentualmente ainda é menor”, explica Beloni.
Apesar disso, com as práticas ESG, o negócio reduziu entre 20% e 30% os custos e os gestores já estão pensando em implementar práticas mais sustentáveis no cultivo de outras culturas.
Além da economia, o ambiente de trabalho está melhor. “O funcionário não vai trabalhar com produto tóxico. E, claro, ele prefere o defensivo orgânico. Todo mundo acaba comprando a ideia. Melhora em tudo, até o risco de contaminação ao solo”, explica o produtor.
A propriedade tem cerca de 7.500 hectares, sendo 370 de café, que produzem 15 mil sacas por ano. A marca emprega cerca de 200 profissionais em suas propriedades e contrata mão de obra para a colheita de acordo com a demanda.
Além da preocupação com sustentabilidade e apoio à comunidade local, o negócio de Beloni também tem uma governança bem estruturada, abarcando os três pilares do ESG. “Somos três irmãos como sócios. Quem trabalha, recebe salário e tem cargo específico, com determinada responsabilidade. Há um conselho de administração e tem plano de sucessão para garantir a sustentabilidade da fazenda”, detalha.
Qualquer empresa pode implantar a agenda ESG
Pode ser um retrofit que leve a uma maior utilização da luz natural no prédio ou a contratação de uma funcionária grávida, sem nenhum tipo de prejuízo durante seu processo seletivo… Implantar ESG numa empresa não é nenhum bicho de sete cabeças e pode sim ser aplicado em qualquer tamanho de empresa. Quem garante é o consultor ESG Miguel Rocha, de 64 anos, que atua na Inplantar Sustentável, e presta serviços para grandes corporações como General Eletric, Amazon e Cofico. Segundo ele, é importante, apenas, que seja uma ação medida e monitorada. “É um processo contínuo, que não acaba na primeira iniciativa”, observa.
Miguel atua na consultoria de um software de gestão de ESG, que analisa índices diversos, de diferentes companhias. “É interessante traçar um plano e, com as medições, verificar se as práticas estão dando resultado”, explica.
A empresa, segundo ele, só tem a ganhar. Além da possibilidade de reduzir custos, o negócio pode aumentar a sua produtividade com a aplicação de boas práticas, como a diversidade entre os colaboradores, oferecendo diferentes talentos.
Entre alguns exemplos de práticas ESG para pequenas empresas, ele lembra da aplicação do conceito dos 3Rs – Reduzir, reutilizar e reciclar –, e da verificação minuciosa dos fornecedores. Seu insumo veio de mão de obra que trabalha em condições análogas à escravidão? É preciso verificar!
É possível ainda promover ações sociais na comunidade. Em Patrocínio, a Agro Beloni, ajuda vários pequenos projetos e, junto a um grupo de produtores de uma cooperativa, está ajudando na construção de um Hospital do Câncer na região.
Práticas ESG que podem ser implementadas por pequenas e médias empresas:
Social
- Apoiar a comunidade no entorno de seu negócio
- Conferir se os fornecedores adotam práticas sustentáveis e oferecem condições de trabalho dignas paras seus funcionários
Governança
- Ter processos transparentes para a sociedade sobre a contabilidade e gestão do negócio
- Pagar de forma igualitária homens e mulheres
- Promover mulheres e minorias
- Respeitar direitos como licença-maternidade
- Pagar impostos devidamente
- Ter todos os funcionários na folha de pagamento
Meio ambiente
- Descartar seus resíduos de forma correta
- Garantir que seus fornecedores não descartam os resíduos de forma irregular
- Comprar de fornecedores que tenham rastreabilidade do gado, garantindo que não houve desmatamento na região
Antes de ser ESG, negócio deve ser sustentável, afirma especialista
O diretor técnico do Sebrae Minas, Douglas Cabido, é categórico em afirmar que os pequenos negócios só vão conseguir ter uma boa agenda ESG se a empresa for sustentável do ponto de vista econômico. “Tem que fornecer um bom produto para o cliente. Se ele não quer ter lucro, ele vai fechar. Não vai nem conseguir ter a pauta ”, afirma.
Cabido explica que desprender toda a energia da empresa na pauta ESG pode ser uma armadilha. “Ela vem para apoiar o negócio, não ser o principal”, diz. Dito isto, ele explica que o empreendedor deve adotar as práticas ESG com parcimônia, de acordo com sua realidade. Fazer um alto investimento, por exemplo, na mudança da estrutura de energia das lojas em um momento onde não há dinheiro em caixa, pode não ser uma boa ideia.
Apesar das ressalvas, o diretor técnico do Sebrae acredita que a adoção da pauta ESG pode sim render bons frutos às empresas. Um exemplo seria a redução de questões trabalhistas por empresas que seguem à risca a legislação. Pensando na sustentabilidade, processos mais eficientes, que levam à queda do desperdício, também podem levar a uma margem de lucro maior.
Cabido enxerga ainda na pauta ESG uma oportunidade de negócios. “Há dez anos, o mercado da energia fotovoltaica nem existia direito. Hoje está em alta. Os produtos veganos também têm um market share expressivo atualmente. O caminho da sustentabilidade é sem volta”, afirma.
*Com informações do site O Tempo