A pandemia de Covid-19 atingiu com força a cadeia de suprimentos global, levando a um estado de desordem os negócios, indústrias e economias que antes funcionavam sem problemas. Depois de quase três anos suportando oscilações e extremos, o sistema está lentamente ganhando velocidade e funcionando melhor.
Os prazos de frete marítimo estão em declínio constante, os portos estão menos congestionados, as greves trabalhistas foram evitadas por pouco, a escassez de produtos e trabalhadores diminuiu, os preços caíram.
Os armazéns estão cheios (talvez cheios demais), os esforços de friendshoring, nearshoring e reshoring aceleraram – instalação de plantas manufatureiras em países amigos, próximos e relocalização produtiva, consecutivamente – e a China suspendeu sua política de “Covid zero”.
“Tivemos uma mudança fundamental que começou há cerca de seis meses”, disse Timothy Fiore, presidente do Institute for Supply Management. “Existem certos componentes, como circuitos integrados [e] microcontroladores, que ainda estão afetando a capacidade dos fabricantes de fluir o material. Mas, em geral, a pressão diminuiu”.
No entanto, ainda há muitos obstáculos grandes em potencial.
Globalmente, os desenvolvimentos na China e na Ucrânia permanecem como pontos de interrogação, especialmente se a megapotência manufatureira sofrer outro revés ou lockdown, ou se as condições piorarem com a guerra da Rússia na Europa.
Internamente, as exportações enfraqueceram e o estado da demanda do consumidor continua um curinga, disse Phil Levy, economista-chefe da empresa de consultoria e despachante de carga Flexport.
“Eu não descreveria isso como uma máquina que está funcionando no momento”, disse ele. “É mais sobre se orientar e tentar descobrir o que vem a seguir”.
Entre os possíveis gargalos: a capacidade de armazenamento em certos locais, principalmente no sul da Califórnia, está quase cheia, disse ele. Além disso, a rede de distribuição terrestre – especialmente ferroviária e áreas onde as transferências são feitas de um modal para outro – passou por alguns desafios, disse ele.
O sistema ainda não está em um estado estável em que as empresas tenham uma boa noção de quanto tempo levará para produção, envio e, finalmente, a venda.
“Acho que não temos isso”, disse Levy. “Ainda há muita incerteza sobre quanto tempo leva para mover as coisas. Quando vemos os armazéns lotados, é por que a demanda está muito baixa? É por que as pessoas moveram as coisas muito cedo? Portanto, há muitas coisas que ainda estão sendo resolvidas”.
Voltando ao normal
A atividade da cadeia de suprimentos ainda não se normalizou, mas está voltando às trajetórias pré-pandêmicas, disse Zac Rogers, professor assistente de operações e gerenciamento da cadeia de suprimentos da Colorado State University.
“Existe uma espécie de padrão de reação exagerada que sempre tende a acontecer quando há uma grande interrupção”, disse Rogers. “E a Covid é a maior interrupção que já tivemos”.
No início da pandemia, as empresas cancelaram pedidos, acreditando que os gastos do consumidor seriam esmagados. No entanto, trilhões de dólares foram injetados na economia para tentar manter consumidores e empresas à tona. Os americanos, presos dentro de casa com menos saídas para gastos discricionários, recorreram ao comércio eletrônico para fazer compras.
O aumento na demanda por produtos acabados em um momento em que a oferta era severamente limitada, em parte devido à escassez e paralisações de mão-de-obra relacionadas à pandemia – principalmente de cidades, fábricas e centros de fabricação na China – derrubou o sistema de logística global.
Os portos ficaram congestionados, os prazos de entrega aumentaram e os custos cresceram consideravelmente à medida que a escassez aumentava em toda a cadeia de suprimentos.
“Todos fizeram pedidos demais e, por volta de fevereiro e março do [último] ano, tudo chegou aqui – bem a tempo da invasão da Ucrânia”, disse Rogers.
Os preços dos combustíveis e a inflação dispararam, afetando enormemente os gastos do consumidor.
“O desafio nos últimos 10 meses nas cadeias de suprimentos tem sido tentar equilibrar a redução dos estoques a um nível razoável, sem exagerar, mais uma vez, e [aterrissar] de volta a uma situação de escassez”, disse ele. “Estamos voltando para a linha de tendência de uma forma que não fizemos nos últimos anos”.
Reshoring e fluxos mais suaves
O que ajuda nisso é que as cadeias de suprimentos são muito mais resilientes agora do que no final de 2019, disse Rogers.
“Em 2019, tínhamos basicamente todas as nossas fichas em uma mão, ou seja, as coisas são construídas no leste da Ásia, vêm de barco pelos portos do sul da Califórnia, vão em trens para Chicago e depois em outros trens ou caminhões para distribuir na costa leste [dos EUA]”, disse ele.
E embora seja quase impossível se divorciar da China, as empresas estão adotando caminhos diferentes para a cadeia de suprimentos, seja no Vietnã, Bangladesh, América Central ou no mercado interno, disse Rogers.
“Por causa disso, as cadeias de suprimentos não são tão frágeis quanto há três anos”, disse ele. “E, portanto, se houver outro choque – especialmente se houver um choque centrado na China – acho que seremos capazes de absorvê-lo um pouco melhor do que antes. […] Mas você não pode colocar o preço em algo como a invasão da Ucrânia ou um surto viral que paralisa o mundo – nenhum sistema é construído para lidar com isso sem problemas”.
Rogers também é pesquisador e coautor do Logistics Managers’ Index (Índice de Gerentes de Logística, na tradução livre), uma pesquisa mensal de executivos da cadeia de suprimentos conduzida por uma equipe de pesquisadores universitários e pelo Conselho de Profissionais de Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos.
A leitura de dezembro do índice – que mede os níveis e custos de estoque; capacidade de armazenamento; e capacidade de transporte, utilização e preços – chegou a 54,6, um aumento de 1 ponto após oito meses de quedas.
A maioria das métricas do índice estava na faixa de 40, 50 e 60, disse Rogers, observando que é a primeira vez desde o início da pandemia que os índices não estão na casa dos 70 ou 80.
“Se você está em 40, isso é contração, mas 50 são taxas normais e saudáveis de crescimento”, disse ele. “Pode haver outro grande evento ‘cisne negro’ em um mês que jogue tudo de cabeça para baixo; mas, por enquanto, parece que os entrevistados estão prevendo estabilidade na cadeia de suprimentos”.
De qualquer forma, o choque da pandemia na cadeia de suprimentos deve ser um alerta, disse Jack Buffington, diretor de cadeia de suprimentos e sustentabilidade da First Key Consulting e professor assistente de gerenciamento de cadeia de suprimentos da Universidade de Denver.
“Eu classificaria isso como ‘quebrado com eficiência’”, disse Buffington, cujo próprio livro sobre cadeias de suprimentos, “Reinventing the Supply Chain: A 21st Century Covenant with America”, teve seu lançamento adiado devido a problemas na cadeia de suprimentos.
“Todas as cadeias de suprimentos realmente são oferta e demanda, e tem havido muita interrupção nos materiais e na demanda do consumidor relacionada ao trabalho, à inflação e à geopolítica”, disse ele.
“Inerentemente, a base do modelo é quebrada em comparação com o que são as demandas de hoje. As complexidades relacionadas a uma cadeia de suprimentos globalizada, sistemas humanos não são capazes de lidar com isso”.
Ele acrescentou: “A Covid não foi a causa dos problemas com a cadeia de suprimentos, foi um gatilho para mostrar o quão ruim ela era”, disse ele.
*Com informações do site CNN Brasil