(Foto: Reprodução/Acervo Pessoal)

Como o marco legal mudou a forma de trabalho das startups brasileiras

Empreendedores em busca de um modelo de negócio inovador são o coração de uma startup. Ao contrário do que se pensa, esse tipo de empresa não precisa ser necessariamente baseada em uma tecnologia digital, mas sim fruto de pesquisa e desenvolvimento, que podem inclusive começar em laboratórios de universidades.

“Eu achava que startup era uma empresa que fazia aplicativos, que alguém pegava um smartphone, fazia uma coisa nele e, depois, vendia por milhões. Não imaginava que minha ideia poderia ser encarada assim. Nas mentorias e oficinas do Sebrae, entendemos que startup é aquele negócio que começa pequenininho, mas que tem potencial de crescimento e escalabilidade”, conta o farmacêutico Ricardo Marques, de 39 anos.

Com o conhecimento adquirido no doutorado em síntese orgânica, ele desenvolveu uma forma de retirar de algumas plantas da Amazônia –tratadas como daninhas e sem valor comercial– a ibogaína, substância considerada promissora no tratamento da dependência química. Hoje, ela é extraída apenas da iboga, uma raiz originária da África. Segundo Marques, o grama do produto no mercado internacional custa 1.000 dólares. Ao lado da sócia, uma psicóloga com quem é casado, e de mais um colaborador, especialista em plantas, ele desenvolveu o produto e segue os passos para tornar a produção viável para ser comercializada.

Um ponto importante para a empresa de Marques são as rígidas normas de controle sanitário do país. Porém, o que poderia ser um entrave intransponível tornou-se só mais uma etapa na sua jornada pelo empreendedorismo. Graças ao Marco Legal das Startups, que vigora desde junho de 2021, foi normatizada a prática do sandbox (caixa de areia), que concede um regime diferenciado para lançar novos produtos e serviços inovadores no mercado, com menos burocracia e mais flexibilidade, sempre com o monitoramento e a orientação dos órgãos reguladores.

Antes, não havia na legislação esse tipo de dispositivo para ajudar e incentivar o desenvolvimento de inovações, que muitas vezes não se encaixam sequer nas categorias de negócios existentes. “O Marco Legal trata o negócio inovador de uma forma diferente. Ele traz embutido esse conceito de sandbox, para que as empresas possam fazer experimentações, seja no modelo de negócio ou de um produto”, afirma Cristina Mieko Bando, gestora nacional de startups, Unidade de Inovação, do Sebrae, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.

Validar, lembra Bando, é um verbo chave para as startups. “É o que essas empresas precisam fazer para poder evoluir e, de fato, modelar o seu negócio, produto ou serviço”, diz.

Ela exemplifica uma situação recorrente antes do Marco Legal: “Trabalhamos com uma startup que tinha um produto maravilhoso, um repelente resistente a lavagens, um projeto que nasceu na academia, fruto de um pós-doutorado. O problema é que ela não conseguia se enquadrar na Anvisa porque não havia uma categoria para ele, nem podia fazer exportação, tudo por questões burocráticas”. Depois da legislação entrar em vigor, a startup conseguiu seguir seu processo sem as complicações do passado.

Número recorde de unicórnios

De acordo com a Associação Brasileira de Startups, existem mais de 22 mil empresas desse tipo no Brasil. Dessas, 25 são “unicórnios”, nome dado às startups avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares. O número de unicórnios brasileiros não para de crescer –o país já é o décimo nesse ranking– e, só no ano passado, um número recorde de seis startups chegaram lá: MadeiraMadeira, Nuvemshop, CloudWalk, CargoX, Olist e Unico, segundo a consultoria CB Insights. Especializada em tecnologia de reconhecimento facial, a Unico recebeu ajuda do Sebrae antes de chegar a essa desejada condição.

Muitas, no entanto, ficam longe de se converter a unicórnio. “O cálculo feito pelos investidores anjos [os financiadores das startups] é que cada duas pagam dez”, afirma a especialista do Sebrae. Ou seja, dos dez investimentos feitos, dois terão sucesso financeiro e compensarão os demais. Não há uma taxa média para avaliar a “mortalidade” desses negócios.

Para iniciar sua startup, a Hylaea, Ricardo Marques, que vive em Rio Branco, capital do Acre, participou do Inova Amazônia, programa do Sebrae dedicado à região. “Eu só sabia fazer a parte da bancada, do desenvolvimento da molécula, mas não basta só ter o produto. O Sebrae nos ajudou a entender o caráter inovador, já que ele é diferente de tudo o que já existe, e a criar um modelo de negócio.”

“Sempre se fala na Amazônia como o maior bioma, a maior biodiversidade do mundo e desse imenso potencial, mas ninguém transforma isso em um produto para melhorar a vida das pessoas. Sabemos que é um caminho que foi pouco percorrido, mas estamos confiantes”, afirma o empreendedor.

Com o apoio do Sebrae, Marques já apresentou a Hylaea em Portugal, ganhou uma bolsa que possibilitou dedicação exclusiva ao projeto e o próximo passo é fechar uma parceria com uma universidade que fará o papel de incubadora da startup. Ele acredita que, até final de 2024, o produto possa ter escala comercial para venda.

Outro case de startup apoiado pelo Sebrae, a Microciclo Biotecnologia já está incubada em uma universidade. “Somos pesquisadoras antes de sermos empresárias, trabalhamos no laboratório de biologia molecular e genômica, onde pesquisamos microorganismos”, conta Kamilla Silva-Barbalho, de 27 anos.

Formada só por mulheres, a empresa ligada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte desenvolveu uma biotecnologia capaz de fazer a biorremediação de óleo — ou seja, por meio de uma mistura de bactérias, consegue-se eliminar os resíduos oleosos e promover a descontaminação de maquinários, depósitos e água.

“Vemos a possibilidade de sermos uma plataforma de biotecnologia, porque as indústrias chegam com demandas diferentes. Para uma, o problema é o óleo; para outra, uma graxa. Futuramente, a ideia é desenvolver soluções biotecnológicas para diferentes setores, inclusive para o mercado doméstico”, conta Silva-Barbalho. Uma das sócias da empresa foi para a COP27, no Egito, a convite do governo federal, apresentar a inovação e buscar interessados em investir.

Silva-Barbalho destaca que o Marco Legal otimizou o processo de incubação dentro da UFRN. “Ele contribuiu para que essa relação empresa-universidade fosse mais fácil e abriu mais portas. Por exemplo, as empresas podem agora alugar equipamentos para utilizar dentro das universidades ou fazer projetos em parceria em que a empresa paga os pesquisadores”, lista a empreendedora.

“O Marco Legal foi um avanço e, seguindo a própria cultura das startups, estamos experimentando, vendo como ele funciona, porque ainda é tudo muito novo”, afirma Cristina Mieko Bando, gestora nacional de startups do Sebrae. “No mundo das startups, usamos a sigla MVP que, em português, significa mínimo produto viável. Você precisa entregar um produto e colocar ele no mercado com as mínimas funcionalidades para que ele rode e o cliente dê um feedback, para ver se esse produto atende demandas mínimas dele. A partir disso, você vai melhorando, faz uma versão 2, uma versão 3. Com o Marco Legal é um pouco assim, agora precisamos avaliar e medir o que já foi ofertado”, completa.

Entre possíveis melhorias desse arcabouço jurídico, ela cita um dispositivo que foi vetado à época da sanção do marco, que permitia as “stock options”, o direito concedido ao funcionário de adquirir, no futuro, ações da própria empresa em que ele trabalha por um preço fixado no presente, algo bastante usual nas startups dos EUA.

“Um desafio que eu vejo hoje e que é importante para startups é a disputa de mão de obra. Depois da pandemia, o mundo se mostrou muito híbrido e ‘phygital’, os profissionais podem ganhar em dólar, euro ou libra, sem sair do Brasil. Isso cria dificuldade para que empresas em início consigam manter bons profissionais. Como resolver isso? Talvez rever a questão das stock options ou possibilitar o vesting, uma cláusula de produtividade atrelada à participação societária na companhia, descrita no contrato de trabalho”, afirma.

Embora ainda seja cedo para uma análise de como o novo governo vai encarar a questão das startups, Bando acredita no bom momento para essas empresas. “Temos um ponto positivo, que é uma certa estabilidade da economia em comparação à Europa, por exemplo, que vive um período de recessão.”

O Sebrae e as startups

O Sebrae trabalha para a aceleração do empreendedor e do seu negócio, além de potencializar as conexões para fortalecer todo o ecossistema. Desde 2012, a instituição mantém programas voltados especificamente para startups, com mentorias, capacitações, consultorias e missões, entre outros, com objetivo de desenvolver e fortalecer os pequenos negócios inovadores. Só o StartOut, agora Startup Outreach Brasil, que apoia a internacionalização de startups brasileiras e já atendeu mais de 230 delas, gerou 24 milhões de dólares em negócios, em cinco anos.

A atuação do Sebrae abrange todos os Estados e o Distrito Federal, e auxilia na formalização de mais de 4 mil startups por ano. Há também atendimento a aproximadamente 8 mil candidatos a empresários para que eles tirem as ideias do papel.

Ações focadas principalmente em capacitação, inovação e acesso a mercados orientam o apoio do Sebrae às startups, conheça os projetos:

– Desenvolvimento de startups em todos as Unidades Federativas

Atendimento a candidatos a empresários em todos os estados do país;

– Ambiente Digital Sebrae Like a Boss

Cursos e oportunidades para startups no ambiente digital;

– Desafio Sebrae Like a Boss

Competição de startups, reconhecida como a principal porta de entrada para novos empreendedores no país;

– Startup Nordeste

Ação com o intuito de fomentar o ecossistema de inovação na região;

– Inova Amazônia

Iniciativa para desenvolver micro e pequenos negócios inovadores em bioeconomia local;

– Ideiaz

Programa que visa atender ideias e projetos de negócios inovadores e de impacto socioambiental em estágio inicial de todas as regiões do país;

– InovAtiva Brasil

Ferramenta que realiza aceleração, conexão, visibilidade e mentoria para startups em todo o território nacional, gratuitamente, visando a fortalecer e a fomentar o ecossistema de inovação no Brasil;

– Startup Outreach Brasil (StartOut)

Iniciativa que trabalha para internacionalizar startups em 13 dos principais ecossistemas de inovação do mundo.

*Com informações do site Jota

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