Crise? Alto padrão de consumo da elite mantém mercado de luxo em alta no Brasil

Vendas associadas a grandes marcas estão em crescente no Brasil desde a pandemia e com perspectiva de manter a ascensão nos próximos meses

Áureo Eustáquio, da concessionária AvantGarde, diz que clientes são fiéis — Foto: Fred Magno / O Tempo

Imagine só: ir a uma concessionária e comprar um Porshe de R$ 1 milhão ou adquirir uma mansão de R$ 6 milhões. Também há a possibilidade de obter uma bolsa pagando em torno de R$ 23 mil ou finalizar a obra da casa com uma porta principal de, no mínimo, R$ 30 mil. Certamente os valores fogem à realidade de grande parte da população brasileira e encaixam apenas nos sonhos e desejos distantes. Mas o fato é que compras como os exemplos anteriormente citados são comuns para a fatia da elite brasileira que, mesmo em meio ao agravamento da crise econômica desde meados de 2021, mantém em alta o chamado mercado de luxo.

Em todo o país, as vendas neste segmento cresceram até 50% no ano passado, conforme levantamento da Associação Brasileira das Empresas de Luxo (Abrael). O crescimento também foi apurado pela Front Row, empresa de marketplace de artigos luxuosos, que obteve um salto de 78% no faturamento no ano passado, se comparado com 2020. A movimentação é tão intensa que impacta até brechós. Em Belo Horizonte e região metropolitana, não é difícil achar exemplos que comprovam a manutenção dos hábitos comerciais dos mais ricos no país.

Na construção civil, o balanço do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Minas Gerais (Sinduscon) mostrou que o mercado de imóveis com valor a partir de R$ 3 milhões em BH e região metropolitana está em alta. O número de unidades lançadas nesta faixa de preço cresceu 24% nos cinco primeiros meses deste ano na Grande BH, frente a 2021.

O empresário Paulo Henrique Calixto é sócio da imobiliária Só Mansões, que atua, dentre outras localidades, na região de Nova Lima, na Grande BH. Ele afirma que o mercado crescia gradualmente tanto para compra e venda de imóveis finalizados, quanto na comercialização de terrenos para construção em condomínios. “Mas durante o período da pandemia, esse crescimento ocorreu em uma escala exponencial. Como a nossa empresa é especialista em casas e lotes em condomínios, desfrutamos de um crescimento acima da média”, atestou Calixto.

Para quem deseja adquirir alguma casa, os valores variam de R$ 2 milhões e podem romper os R$ 7 milhões. Nos últimos meses, o resultado se manteve positivo, segundo o empresário, mesmo sob a interferência da alta nos custos produtivos da construção civil. Conforme o Sinduscon, a inflação se aproximou de 40% entre janeiro e maio. “Em alguns condomínios, os mais procurados do mercado, o preço de venda do m² dos imóveis acompanhou também essa faixa de valorização em relação ao m² do custo de construção, assim não impactando de forma significativa o volume de vendas nesse segmento que já vinha em uma crescente”, acrescentou.

Com atuação em mercado semelhante, a Cinex Arch, especialidade em portas e esquadrias de alumínio feitas em tecnologia italiana de alto padrão sob encomenda em BH, também está com resultados superiores neste ano. O responsável pela franquia na capital, Pedro Paulo Penido, estima uma alta de 30% a 50% na demanda neste ano. “O nosso público-alvo é um perfil de cliente de alto poder aquisitivo, cliente que vai investir para ter o melhor produto do mundo em termos de tecnologia e desempenho”, explica.

No mix de produtos à disposição dos clientes, há portas para entrada de casas em condomínios que chegam aos preços de R$ 50 mil e R$ 80 mil. Neste caso, são estruturas com cerca de 6 metros de altura, contou. “Nós trabalhamos em um segmento que foi muito valorizado durante a pandemia, porque os olhares dos consumidores se voltaram para seu bem-estar e qualidade de vida. E esse novo olhar sobre o morar, já que a casa se tornou home office, academia, trouxe muito benefício e aqueceu o nosso segmento”, acrescentou.

Desigualdade exposta

O cenário, segundo o economista e professor de MBA da Fundação Getúlio Vargas, Roberto Kanter, reflete um problema crônico da sociedade brasileira de desigualdades sociais e econômicas que acabou escancarado com o comportamento distinto no período de crise. “O Brasil tem uma das pirâmides sociais mais injustas do mundo. Uma microparcela da população tem uma renda que é equivalente a uma enorme parcela da base”, diz.

Sem entrar no mérito da aquisição patrimonial e condição financeira de quem alimenta o mercado luxuoso, o docente afirma que a manutenção do consumo em padrão elevado tem interface direta com o status em meio às pessoas que dispõem da mesma condição. “A classe mais privilegiada tem um hábito de exercer a auto indulgência com muita frequência. É o famoso eu mereço. Então, é uma classe que, certo ou errado, sem julgamento de caráter, ela merece o tempo todo”, complementa o docente.

Uma saída para aplacar o cenário social de desigualdades poderia vir a partir da promoção da justiça social no país, com tributação de grandes fortunas e dividendos, defende. Kanter citou o exemplo da Petrobras, que distribuiu R$ 87 bilhões em lucros a acionistas no segundo trimestre do ano, montante que não passa por nenhuma taxação.

“No Brasil, fomos educados a esperar que quem faça a justiça social seja o governo. E enquanto esse pensamento perdurar, eu acho que a pirâmide vai permanecer como está. A única forma da gente mexer na base da pirâmide é se a sociedade, como um todo, se manifestar e se posicionar, for mais solidária, e tentar sair da sua zona de conforto”, sugere o professor, mesmo achando difícil que a ideia saia do campo utópico para uma concretização real.

‘Clientes fiéis’

Enquanto grande parte da população que planeja trocar ou adquirir um carro tem pesquisado bastante, frente à valorização sobre novos e usados, muitos não se importam com o preço e chegam a trocar carros avaliados em R$ 1 milhão a cada dois meses. A afirmação é de Áureo Eustáquio Brandão, sócio diretor da AvantGarde, concessionária de veículos de alto padrão na avenida Raja Gabaglia, na região Centro-Sul da capital.

Por lá, cerca de 80% do estoque, composto por marcas premium e superesportivos como Ferrari, Lamborghini, Porshe e Bentley, precisa ser renovado mensalmente. Já o ticket médio dos clientes é de R$ 800 mil. Para se ter idéia, o carro mais vendido é um Porshe 911, cujo preço flutua entre R$ 800 mil e R$ 2 milhões. “Geralmente são pessoas de um poder aquisitivo bem alto, e que são apaixonados por carro. Elas sempre trocam querendo novas experiências, novidades. São clientes fiéis e que sempre estão retornando”, exemplifica.

No mesmo compasso do setor imobiliário, a pandemia intensificou o aquecimento do mercado. “O consumidor não podia viajar, o dinheiro no banco não estava rendendo tanto porque os juros estavam baixos e isso mexeu psicologicamente com as pessoas e levaram a comprar objetos desejados, mas que antes não se permitiam ter. E com isso a gente dobrou o faturamento em 2020, em relação a 2019”, contabiliza Eustáquio. O cenário se manteve em 2021 e permanece neste ano, com previsão de manutenção até o início de 2023.

Fundada há 18 anos, a concessionária, inclusive, registra os melhores resultados. “Estamos no ponto mais alto da história de estrutura de loja, quantidade de estoque, número de clientes e vendas”, relatou Áureo.

Fonte: O Tempo

Compartilhar

Últimas Notícias