Um estudo feito pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), em 2017, apontou que 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçados por ano no mundo, cerca de 30% da produção de todos os países somados.
No Brasil, os números são ainda mais assustadores. Dados do Embrapa mostram que do total de 140 milhões de toneladas de alimentos produzidos por ano, 26,3 milhões vão para o lixo, enquanto 14 milhões de brasileiros passam fome. Com o propósito de reverter essa situação no país, diversas foodtechs estão propondo novos modelos de consumo, que passam pela sustentabilidade da cadeia.
Uma delas é a SuperOpa, que consiste em um aplicativo que funciona como um marketplace da indústria de alimentos, conectando distribuidoras diretamente ao cliente final, para que possam vender, por preços mais baixos, alimentos próximos do vencimento, inadequados para as gôndolas dos supermercados.
“Nos centros de distribuição, muitos produtos estocados estragam e vão para incineração ou aterros sanitários. O mesmo destino é dado àqueles que estão mais próximos do vencimento, sendo que grande parte ainda poderia ser consumida, mas acaba dispensada pelos varejistas e supermercados por não se encaixarem nos ‘padrões’, intensificando o desperdício”, explica Luís Borba, CEO e cofundador da SuperOpa. “Ao notar o problema na cadeia de suprimentos, criamos uma ferramenta de gamificação que envolve a venda desses alimentos ainda utilizáveis, por preços acessíveis, para ONGs e pessoas comuns que querem economizar. Outra parte é doada para quem não tem o que comer. E assim o negócio se estruturou”, conta.
De acordo com Borba, desde o seu lançamento em 2018, a foodtech contabilizou cerca de 90 mil downloads de seu aplicativo nas plataformas Google Play e Apple Store, além de uma receita de R$ 750 mil em 2020. O empreendedor diz que a busca pelos produtos oferecidos aumentaram em razão da pandemia, que forçou muitas pessoas a buscarem itens mais baratos em função da crise econômica. “Temos o intuito de atender às classes C e D, que enxergaram na nossa solução uma alternativa para alcançar variedades saudáveis que são vendidas por um preço alto no comércio convencional. E a crise sanitária deixou esse público mais vulnerável. No entanto, já estamos observando pessoas de outras classes sociais nos procurando, interessadas no conceito do negócio de reduzir o desperdício.”
O empresário afirma que antes do SuperOpa conquistar um público cada vez mais consciente do seu consumo, o grande desafio foi convencê-lo da segurança e das vantagens de se alimentar com produtos de validade curta ou aparência desvantajosa. “As pessoas ficam desconfiadas em comer alimentos nessas condições. Então, apelamos para a conscientização, por meio do ‘Selo Sustentável Opa’, que é uma certificação de qualidade que os comerciantes e produtores associados à foodtech aplicam nos alimentos para confirmar que eles são seguros para o consumo. Com essa estratégia, conseguimos superar a barreira do preconceito, além de gerar mais transparência nas nossas ações e aumentar a credibilidade.”
Outra foodtech com uma proposta semelhante é a 12+, que chegou ao mercado em 2020 para fisgar um público cada vez mais antenado com o que consome e seus impactos socioambientais. A startup lançará seu aplicativo no dia 29 de setembro, Dia Internacional de Conscientização sobre Perda e Desperdício de Alimentos. A ferramenta foi elaborada para que restaurantes, supermercados e outros estabelecimentos deem um novo destino aos excedentes de comida que não são vendidos durante o dia. Os vendedores preparam “caixas” com o que sobrou e/ou produtos com “tempo de vida curto”, porém ainda em perfeitas condições para o consumo, e os vendem a preços baixos. Segundo Maria Margarida Marques, cofundadora da 12+ e especialista em meio ambiente, o intuito do negócio é combater o descarte de alimentos promovendo as diretrizes dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
“Percebemos que esse movimento tem ficado cada vez mais forte na Europa graças a startups que se dedicam a uma gestão sustentável dos alimentos. E elas são bastante necessárias agora, que o desperdício de alimentos corresponde a 8% das emissões de gases de efeito estufa, porque aquele alimento que foi produzido, porém não consumido, utilizou recursos naturais como água, terra e mão de obra à toa”, afirma a empresária. “Então, criamos um app que visa alertar o usuário de que a sua reeducação alimentar também pode reverter esse ciclo de consumo predatório”, reforça.
Por outro lado, Maria Margarida aponta que o êxito dessa proposta deve envolver não apenas o consumidor, mas também os parceiros, impulsionando o modelo de negócio “ganha-ganha-ganha” na esfera da sustentabilidade. “Ao escoar o excedente de alimentos produzidos, os comerciantes ganham popularidade ao atrair novos clientes com produtos locais, frescos e em ótimas condições de consumo a preços competitivos. E isso também ajuda a sensibilizar as pessoas sobre a importância do consumo sustentável”, explica. “Nessa lógica, os negócios aumentam seus rendimentos, ao mesmo tempo que apoiam a redução do desperdício de alimentos que, consequentemente, atenua a emissão de gases poluentes e os impactos das mudanças climáticas no Brasil e no planeta.”
Para Felipe Mattos, cofundador da 12+ e especialista em responsabilidade social, as foodtechs dedicadas a esse propósito podem fomentar questionamentos entre as pessoas sobre prejuízos do consumo predatório no meio ambiente e sua relação com os índices de fome. “Na América Latina, as famílias vivem da cultura da mesa farta, da dispensa cheia e das compras por impulso, e parte disso não é 100% aproveitado. Essas foodtechs ensinam as pessoas a evitarem o desperdício simplesmente não deixando o produto perecer, abandonando o critério da aparência ‘perfeita’ e ‘recém-saído’ da loja em favor de algo que tenha qualidade e nutrientes necessários”, afirma. “Além disso, nos ensina a comer usando o bom senso, e tendo em mente que milhares de pessoas no mundo enfrentam a fome e grande parte da comida descartada poderia abastecê-los”, completa.
A CADEIA DE ALIMENTOS PRECISA SER REPENSADA
Para Heloísa Guarita, CEO da RG Nutri, consultoria especializada no mercado de nutrição e alimentação, o aumento crescente de foodtechs de impacto social expõe não apenas uma forte demanda por soluções de consumo sustentável, como também a necessidade de repensar a cadeia de produção de alimentos. “Muitas pessoas acreditam que precisamos aumentar a produção de mantimentos para abastecer a população em crescimento. Porém, faz muito mais sentido parar de desperdiçar os 30% de comida que jogamos fora hoje. Para reorganizar a cadeia, é necessária essa mudança de visão e comportamento de consumidores, indústrias e varejistas”, defende.
A especialista sugere uma atenção maior aos problemas no funcionamento do sistema e explica como as indústrias, comércios e consumidores desperdiçam em grande escala. “O ciclo começa na agricultura, já que uma parte da colheita sempre é descartada por não se encaixar nos padrões exigidos pelos compradores. Quando a produção é transportada, há ainda mais perdas, pois alguns itens são danificados ou passam do prazo de validade durante o deslocamento. E os que chegam aos mercados e restaurantes passam por uma nova seleção, porque os alimentos têm uma duração para ficar em oferta. Isso gera também perdas desse volume pelo estrago ou por não estar nas características esperadas. E, claro, a maioria dos consumidores não se dispõem a aproveitar as sobras.”
Neste contexto, startups e organizações entram em cena com oportunidades de reaproveitamento dos alimentos dispensados. E, segundo Alcione Silva, fundadora da startup Connecting Food e mestre em sustentabilidade, elas podem se tornar protagonistas de um movimento de mudança no sistema de produção em prol do meio ambiente e dos direitos humanos. “Os esforços das foodtechs evitam que os alimentos rejeitados por pessoas e comércios parem em aterros sanitários, e dão um novo significado aos recursos naturais e à mão de obra usada na produção, ajudando a controlar as emissões de CO2 e o consumo de água”, explica. “Elas também minimizam o drama social que estamos vivendo atualmente, direcionando alimentos para ONGs que atendem esses contingentes de pessoas vulneráveis. Essa iniciativa de dar dignidade aos seres humanos e ao planeta virou parte do modelo de negócios dessas empresas”, declara.
No entanto, Alcione afirma que a problemática da fome e do clima é tão complexa que as iniciativas das startups não bastam. São necessárias ações governamentais e de outros atores do setor. “Se pensamos no problema como um todo, precisamos unir mais startups, aceleradoras de ações sociais, grandes empresas e governos para criar estratégias e políticas públicas mais eficientes para reduzir o desperdício no varejo, restaurantes, comércios e indústrias, regular as doações de alimentos e promover incentivos fiscais aos negócios envolvidos com esse objetivo.”
Além da pressão das foodtechs, a melhor maneira de atrair outros protagonistas nessa luta, acrescenta Heloísa Guarita, é a vantagem financeira. “Estamos vendo apps e foodtechs lucrando com uma gestão mais inteligente do sistema de alimentação, ajudando os estabelecimentos a ganhar também com o reaproveitamento das sobras e engajando os cidadãos comuns numa mudança de hábitos. E a grande indústria já começa a perceber o quanto o desperdício é inviável ao negócio e como a gestão ESG se configura como a mais rentável. Assim, gigantes da indústria também se sentirão tentados a fazer parte dessa luta”, finaliza.
SuperOpa
O SuperOpa é um marketplace da indústria de alimentos que faz a conexão entre distribuidor e consumidor final, otimizando processos e oferecendo preços mais baixos, com o intuito de acabar com o desperdício de alimentos no Brasil. A plataforma permite a compra de produtos em perfeitas condições e de ótima qualidade, mas que não chegarão às prateleiras dos mercados porque estão próximos do vencimento, com até 70% de desconto e entrega em três dias úteis. O app está disponível para dispositivos Android e iOS.
12+
A 12+ é um aplicativo gratuito que qualquer estabelecimento pode utilizar para vender o excedente de comida que não é vendido ao longo do dia. A solução conecta os excedentes produzidos por estabelecimentos aos consumidores. Os restaurantes e outros negócios de alimentação preparam “caixas” com os excedentes produzidos e/ou produtos com “tempo de vida curto”, que ainda estão em perfeitas condições para o consumo, e vendem a preços infinitamente menores. Por se tratar de excedentes, os estabelecimentos podem selecionar uma variedade de produtos, proporcionando assim a experimentação do local e dos produtos que ele oferece. Por meio desse conceito, o aplicativo permite que qualquer pessoa experimente diferentes estabelecimentos e produtos a preços reduzidos. O aplicativo será lançado em 29 de setembro, Dia Internacional de Conscientização sobre Perda e Desperdício de Alimentos, e estará disponível para dispositivos Android e iOS.
Fruta Imperfeita
Serviço de delivery de cestas de frutas e legumes que, apesar de frescos e saborosos, acabariam na lata do lixo por não serem ‘bonitos’. Alguns são grandes ou pequenos demais e até com deformações, mas ainda são alimentos de qualidade e adequados para o consumo. A plataforma conta com uma loja online na qual os consumidores podem solicitar diversas opções de alimentos saudáveis com preços mais baixos.
Connecting Food
Apoiada pela aceleradora Instituto Ekklos, a Connecting Food é uma startup de impacto social que trabalha na gestão inteligente de doação de alimentos excedentes para reduzir o desperdício, viabilizando a conexão entre estabelecimentos e Organizações da Sociedade Civil (OSCs). Todo o processo é monitorado por meio da tecnologia e inteligência de dados, e os indicadores são gerados para uma melhor gestão dos estoques e dos impactos sociais, econômicos e ambientais. Todo esse processo já facilitou o acesso de mais de 990 toneladas de alimentos a cerca de 200 OSCs, complementando mais de 1 milhão de refeições.
duLocal
A duLocal é uma plataforma de delivery de comida orgânica e saudável na qual o consumidor escolhe um prato e faz o pedido avulso ou entra para a comunidade de assinantes. Todos os alimentos são produzidos com ingredientes da agricultura local, na qual os pequenos produtores colhem vegetais da estação, cultivados próximo a São Paulo.
Além disso, um dos propósitos da startup é contribuir com a geração de renda na periferia por meio da alimentação saudável, com o apoio de cozinheiras da comunidade de Paraisópolis, na zona sul da capital paulista. Dessa maneira, o consumo de alimentos nutritivos pode levar oportunidades e desenvolvimento por onde passa.
Feitosa Gourmet
Localizada no Rio Grande do Sul, a Foodtech Feitosa destaca-se por oferecer produtos à base de banana, sendo que seu carro-chefe é um ketchup que tem a fruta como ingrediente principal. Além dela, os produtos oferecidos pela empresa são feitos com outras frutas que seriam descartadas pelos produtores por não estarem de acordo com os padrões normalmente exigidos pelos mercados e pelos próprios consumidores.
Restin
A plataforma online atua integralmente no mundo digital, conectando empresas a estabelecimentos e ao consumidor final para a compra e venda de alimentos. Seu principal objetivo é reduzir de forma efetiva a perda e o desperdício. A startup é responsável por distribuir alimentos de excelente qualidade, porém fora do padrão estético e/ou próximo da data de validade.
Integrante do Movimento Gastronomia Social, a Restin se consolidou entre os seis mais bem colocados em uma competição latino-americano de startups para soluções de impacto e se tornou referência de soluções contra o desperdício de alimentos, segundo o estudo Collaboration Initiative Food Loss and Waste, feito na Alemanha em parceria com a Embrapa.
CyberCook
O CyberCook é uma plataforma com mais de 100 mil receitas disponíveis e conta com 1 milhão de usuários cadastrados. O site de culinária foi criado em 1997 no Brasil e adquirido pelo Carrefour em 2018. A plataforma, munida de inteligência artificial, oferece informações sobre pratos e receitas e, assim, participa da decisão de compra dos consumidores do varejista.
Um dos objetivos da iniciativa é ajudar seus usuários a fazerem escolhas mais conscientes de compras, economizar e evitar o desperdício de alimentos. A partir de 16 de outubro, Dia da Alimentação, a plataforma passará a contar com a ferramenta Índice Aproveitômetro, que consegue mensurar o valor economizado em cada preparo e, assim, quantificar o desperdício dos alimentos que sobram das receitas.
Último Pedido
O aplicativo foi elaborado para solucionar uma das principais dores de cabeça dos administradores de negócios ligados à gastronomia: o destino dado ao excesso de comida. O objetivo é viabilizar a venda do que sobrou nas lojas e restaurantes com 50% de desconto e, assim, proporcionar o máximo aproveitamento dos insumos e combater o desperdício. A ferramenta criada por empreendedores gaúchos reúne mais de 20 estabelecimentos de Porto Alegre e está disponível para dispositivos Android e iOS.
b4waste
O b4waste é um aplicativo que une os estabelecimentos que precisam encontrar um destino para produtos próximos da data de vencimento e o consumidor, que vai comprar de forma sustentável marcas de prestígio com descontos de, no mínimo, 50%.
Cada empresa – empórios, supermercados, restaurantes e marcas de cosméticos – tem um índice de perda dos produtos que ultrapassam a validade. Os estabelecimentos indicam quais produtos estão com o prazo perto do fim. A atualização da lista de itens é feita diariamente e o consumidor pode optar por receber alertas quando um novo produto entra no sistema. O app é totalmente gratuito e está disponível para dispositivos Android e iOS.
Foto: Aleksandr Zubkov/Getty Images
Fonte: Forbes